terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O tal do português...

Museu da Língua Portuguesa


Cá estou fazendo uma pausa na correção dos 28 trabalhos do 8o ano C para escrever no blog. Salve salve pessoas...
Eu pedi para os estudantes do 8o ano escreverem uma história de suas vidas. Um texto entre 20 e 40 linhas sobre o que quer que desejassem me relatar. Não tem como ensinar sem conhecer.. história.. histórias.. desde pessoas que venceram uma paralisia infantil ou simplesmente se deslumbraram com um shopping center até migrantes, indignados ou carentes.. pois é.. esses são seus educandos, seus aprendizes, cheios de bagagens e de tanta coisa que vão além de nossas utópicas pretensões. Então, só nos resta humildemente aprender, pra ensinar.
Com as turmas de 6o ano, eu também peço uma história, mas em forma de quadrinhos. Minha questão nos dois contextos e fazê-los pensar na própria história em meio à discussão do que pode ser a história. Conhecê-los um tanto mais é um bônus.
O ônus? A luta infindável contra os erros de português!
Não me entendam mal.. sei que o erro é o passo primeiro da aprendizagem. Entendo também que somos todos professores de português por sermos falantes e escritores dessa língua viva e múltipla. Minha primeira professora de português e contadora de história foi minha mãe, que me fez entender que é preciso dominar o idioma antes de mais nada.
É consenso geral a necessidade de melhorar o português dos estudantes, mas para isso é preciso ouvir e ler o que eles tem a dizer.. e corrigir.. e explicar o porquê da correção.. a regra.. seus fundamentos. Não adianta dizer para quem aprende que história é um substantivo feminino, se não se sabe o que é substantivo, por que existem uns masculinos e outros femininos e que outros tipos de palavras existem. É como continuar gritando por uma sociedade de leitores sem abrirmos nossos livros.
Hoje em dia, eu corrijo tudo que vejo e conheço. Longe de não cometer meus próprios erros, tento aprender com eles, o que já é uma boa coisa a se ensinar...

Minha mãe, a jornalista do cinema brasileiro Maria do Rosário Caetano, e eu no Museu da Língua Portuguesa


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

2o, 3o, 4o dia.. sensibilizando estudantes difíceis...




Salve salve pessoas.. pois é.. já começou a primeira semana de aulas e muita água passou sob essa ponte. Para além da apresentação, a questão inicial é discutir o conceito de história com os estudantes. Eu busco a concepção espontânea de cada educando num primeiro momento, para articulá-la às concepções científicas a seguir. Sempre reafirmo a multiplicidade de definições possíveis, permitindo a cada educando desenvolver horizontes de expectativa mais amplos. Nas turmas de 6o ano, isso se dá num trabalho intenso com o dicionário, muito preocupado com as questões gramatical e semântica dos termos trabalhados como "narração" ou "cronológica". Já nas turmas de 8o ano, o contexto inicial para a discussão é apresentado pela minha própria história de vida, No caso atual, eu levo fotos de algumas viagens para cidades diferentes do espaço de experiência dos estudantes como Amsterdam e Berlim.
No caso específico de uma turma, o 8o ano H, eu precisei rever essa estratégia devido a problemas de disciplina. Essa turma é formada por estudantes em geral desmotivados, com histórico de indisciplina, repetentes e/ou vindos de outra escola. Achei que não iria fazer ressoar meu discurso costumeiro e preferi montar uma aula diferente. Ontem à noite, eu sentei e preparei uma aula sobre nazismo (utilizando como base o material que tenho da viagem para Berlim).
Memorial do Holocausto em Berlim
Minha ideia foi articular o nazismo, enquanto expressão violenta das potencialidades humanas e como cicatriz na sociedade alemã, com o cotidiano de violência deles mesmos no Recanto das Emas e na escola. O material incluía fotos do muro de  Berlim, além da East Side Gallery, que foi criada em um dos pedaços restantes do muro, de um campo de concentração e algumas fotos da internet de manifestações nazistas e das vítimas. Da discussão sobre arte como expressão de sentimentos, sensações, medos, anseios de um povo e das pessoas, passamos à constância da violência e do totalitarismo no nosso cotidiano. O aluno maior que abusa e oprime os menores, que se acha nesse direito e se sente poderoso com isso, pode pensar sobre a ideia de superioridade ariana dos nazistas. A disputa por poder, a imposição da força, as tecnologias do medo, tudo está ali representado, microfísica do poder se me permite Foucault.
O nazismo e todas as formas de fascismo foram uma coisa terrível. Mas foram uma coisa humana, assim como a violência é um jogo de poder entranhado nas nossas culturas. Não é acreditar na utopia de um estado sem violência. É conhecê-la e saber civilizá-la. A história não é questão de conteúdo, assim como a arte, muitas vezes ela deve ser feita para incomodar...

Memorial judeu em campo de concentração próximo a Berlim


segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

1o dia de aula...


Salve salve pessoas.. quando eu era estudante, eu sempre preferia que os professores não passassem conteúdo no primeiro dia de aula. Eu queria saber quem eram os professores, reencontrar os colegas, contar as histórias das férias. Talvez remontando a essa experiência pessoal, eu não passo conteúdo no primeiro dia, pra mim o primeiro dia é o dia da apresentação.
O dia da apresentação abrange duas coisas na verdade: a minha apresentação enquanto professor e a apresentação das regras do jogo.
Hoje dei início com 5 das 6 turmas de 6o ano, além de 1 de 8o ano.Quanto aos 6os anos, nesse momento inicial, as notícias são recebidas por dois públicos: os vindos do 5o ano (de outra escola) e os repetentes (dentro dos quais se destaca o grupo vindo do Programa de Aceleração e que não progrediram um ano sequer).
Desde já, explico como se dará a avaliação ao longo dos bimestres. Também discuto os objetivos dessa avaliação assim dividida: prova 5,0 pontos; trabalhos 3,0 pontos; caderno 1,0 ponto, comportamento 1,0 ponto.
A prova é difícil, pois pra mim tem que ser difícil. Ela é dissertativa, com textos para interpretação, é permitido o uso do dicionário e são descontados pontos pelos erros de português. A prova é um desafio para o estudante expor o conhecimento construído, bem como um teste de sua leitura, interpretação de texto e escrita.
O trabalho vai no sentido contrário. Apesar de valer menos pontos, ele pode ser feito e refeito quantas vezes se julgar necessário, pois o objetivo é o desenvolvimento da aprendizagem do educando. Aqui, a ideia é mostrar para os jovens que se eles correrem atrás, se dedicarem, aprenderem com os próprios erros, eles irão desenvolver um bom trabalho. O problema não é o erro, é parar quando ele acontece. O erro é só o início do trabalho.
Quanto ao caderno, o principal objetivo é motivar os estudantes a copiar a matéria do quadro, motivá-los a organizarem o próprio espaço, a terem disciplina e para que melhorem a escrita.
O ponto de comportamento é um puro mecanismo disciplinador. Advertências, suspensões causam a perda desses pontos. Nessa faixa etária, ele dá uma margem de atuação sobre as notas, permitindo tanto ajudar estudantes comportados, quanto "enquadrar" os indisciplinados.
Sobre o que chamo de regras do jogo, isso passa por uma conversa sobre interesse. A questão aqui é mostrar aos educandos que não existe aprendizagem, se não existe vontade. Não adianta o mundo se mobilizar por alguém que não está interessado na ajuda. Eu cito dois exemplos: o da Débora, uma estudante que iniciou o 6o ano analfabeta e conseguiu se alfabetizar até o fim do ano por querer; o da Adriana, outra estudante que também iniciou o 6o ano analfabeta e mesmo com apoio dos professores, do Soe e da equipe da escola, por não querer, continuou como estava no começo do ano. Essa conversa é articulada com a importância da.preservação do patrimônio, dos direitos e deveres dos estudantes e da convivência social.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Reunião de Pais, Ciclos e vontade...


Salve salve pessoas.. eis que as aulas começaram ontem. Na verdade, ontem e hoje foram dias de receber estudantes e pais. Achei legal a secretaria de educação estabelecer no calendário uma recepção da comunidade pela escola, que se não é como deve, é muito necessária. A maioria dos professores tem resistência a interagir com os pais, quando o contato com eles só potencializa nosso conhecimento sobre o educando.
Hoje tivemos uma reunião com alguns pais, até em bom número se levarmos em consideração que ainda estamos nos dias após o carnaval. Dois representantes da coordenação regional (antiga regional de ensino) foram marcar presença e participar da recepção. Não falaram nada de muito útil, apenas transmitindo um discurso pronto em defesa dos ciclos e da semestralidade.
Se me permitem o parêntese, gostaria de deixar claro que pra mim, tanto faz seriação, ciclo ou qualquer modelo que quiserem propagar. Modelo não resolve problema.. modelo se aplica e se adéqua ou não à realidade. O que faz o estudante aprender é querer. Tem de existir na pessoa o interesse de aprender.. o desejo.. a ambição.. a vontade. Então, me parece mais útil você colocar para os pais o papel da família na construção dos interesses do educando. O atual modelo de ciclos vai mascarar a questão da reprovação excessiva que realmente existe, não vai resolver nada, porque o buraco é muito mais embaixo. Mas vai melhorar as estatísticas e aqueles que tomam decisões como essa só lidam com estatísticas.
Como um estudante vai se interessar pela leitura se o pai e a mãe não leem nada? Como ele vai respeitar o professor e os colegas se não vê isso na atitude de seus responsáveis? Como ele vai cooperar na escola se em casa ele fica de pé pra cima sem contribuir? As pessoas começam a aprender muito antes de chegar à escola e continuarão aprendendo muito depois de sair dela. O papel da escola não é ser o teatro glorioso do melhor saber, mas ser um ponto nodal onde esse educando vai aprender a aprender e ensinar também.
Para transformar o ensino, temos que transformar a educação e isso vai muito além da sala de aula e das escolas. Como se diz, todos querem um mundo melhor pros filhos, mas e os filhos melhores pro mundo? Os pais tem que olhar os cadernos, acompanhar o processo, cobrar resultados, relativizar dificuldades, parabenizar as vitórias e acima de tudo, conhecer os filhos.
Eu questiono as tradições e a seriação talvez seja uma das maiores tradições de nosso modelo de ensino.  Mas acho que diálogo é melhor que rupturas abruptas.. diálogo e vontade...

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Plano de aula para o 6o ano: tempos, mitos e culturas


Salve salve pessoas, pois que o ano enfim começa e a Semana Pedagógica trás esperança e nuvens.
Mas vamos ao que interessa. Meus eixos temáticos pro 6o ano são tempos, mitos e culturas. Essas temáticas seguem a proposta da coleção História Temática da Conceição Cabrini e outros que uso e já citei aqui no blog.
Eu adoro dar aula pro 6o ano, me preparei muito bem pra isso durante um bom tempo, sendo um dos recortes da minha dissertação de mestrado (http://repositorio.bce.unb.br/handle/10482/1268). Os motivos de minha predileção são muitos: é o primeiro momento em que os alunos tem contato com um professor formado em história; marca a passagem dos anos iniciais pros finais do ensino fundamental, com mais disciplinas, professores, obrigações; tem início a consolidação de conceitos científicos dos educandos, em articulação com suas concepções espontâneas (na ótica de Vygotski); até mesmo a chamada pré-adolescência desse fim de infância é interessante.
A ideia de concepções espontâneas é meu ponta pé inicial. Normalmente, todos os livros didáticos de história iniciam suas coleções de história dos anos finais do ensino fundamental com um capítulo ou com uma apresentação sobre o que é história, alguns conceitos operacionais como tempo, sociedade, cultura e logo passa para o que denominam de "pré-história". Existem dois graves problemas aqui. O primeiro é apartar conceitos e conteúdo, isolando os primeiros como ferramentas ideais para o desenvolvimento do conteúdo, ou seja, realça-se o conteudismo em detrimento do desenvolvimento teórico e crítico dos educandos. Não se ensina a pensar historicamente.. se ensina uma certa história. Um desdobramento disso é a ilusão de não se estar afirmando um modelo de história nesses conteúdos ensinados, como se o conteúdo tivesse um valor intrínseco, essencial e inescapável. Enquanto isso, esse modelo é afirmado e reafirmado por esse silêncio teórico-metodológico.
O segundo problema é deixar de lado, ignorar ou até mesmo atropelar as concepções espontâneas que os estudantes já trazem consigo de uma longa vivência pré-6o ano. Não só a escola já vinha envolvendo-os em um entendimento social e pedagógico de tempo, como as incontáveis experiências para além dos muros da escola também já deixaram suas marcas em seus horizontes de expectativa. Viver e pensar a história chega muitos antes da disciplina história e de seus disciplinadores.
É importante dialogar sobre os fundamentos teóricos e metodológicos da história com os educandos, assim como valorizar o espaço de suas experiências na construção de possíveis entendimentos da historiografia. Para isso, desenvolvo meu trabalho do 1o bimestre todo concentrado na discussão de o que é história. Eu inicio com a discussão do conceito que os estudantes tem de história, apresento o conceito de alguns dicionários sobre o que é história e finalmente o meu próprio entendimento. Esse debate integra-se às noções de biografia e autobiografias, onde os educandos são instigados a pensarem suas próprias histórias de vida e de outras pessoas.
Em conjunto com a discussão sobre documentos históricos, a relação entre a pesquisa e a narração sobre o passado, o trabalho bimestral dos estudantes é escrever a biografia de seus avós. Para tanto, eles devem realizar entrevistas de acordo com um roteiro previamente tratado em sala. Posteriormente, os trabalhos são corrigidos e discutidos com todo o grupo, de modo que cada turma produz uma síntese das informações baseada nos dados coletados de cada turma e do conjunto das turmas. Assim, além de se articular a experiência pessoal e familiar dos estudantes, constrói-se uma leitura da história local, uma representação da comunidade da qual eles fazem parte. Ao longo desses 4 anos em que desenvolvo esse trabalho, isso me permitiu articular histórias de vida com a história do Recanto das Emas (região administrativa onde trabalho), partindo num segundo momento para a história de Brasília (o que culmina com a data do aniversário de Brasília no final do 1o bimestre e início do 2o bimestre). Ao invés de fazer dos educandos os receptáculos pretensamente vazios de um saber pronto conhecido por mim, minha proposta é construir com eles uma história deles mesmos, de suas famílias, de sua cidade.
Esse projeto além de me trazer enorme satisfação também é utilizado por mim como pesquisa para o doutorado. Pesquisa e ensino num romance astral. Ainda que meu projeto de pesquisa não tenha sido aceito pela seleção do programa de pós-graduação em história da Universidade de Brasília, já escrevi um artigo que será publicado em breve pela revista Tempos de História e que logo disponibilizarei aqui.
Integrada a essa síntese, é desenvolvida a discussão das percepções do tempo, os instrumentos culturais para marcar a passagem do tempo, os ciclos e as linearidades, o tempo histórico, tradição e ruptura. Atentando para a diversidade das culturas em seus entendimentos e expressões do tempo, entender o nosso tempo e o tempo do outro.
No 2o bimestre, articulado com os conceitos tratados desde o começo do ano, nós passamos para a discussão sobre a formação do universo, dos astros e, principalmente, da vida. Debatendo as próprias ideias de evolução, criação, origem, os alunos são instigados a pensar sobre as convergências e divergências, heranças e perdas do que entendemos por ser humano. Rompendo com uma noção de "pré-história", esse período histórico é abordado como teatro do que vemos como fundamental em nossa sociedade: o trabalho, a propriedade, o artesanato, a agricultura, o comércio, a metalurgia, a escrita.
O trabalho bimestral é realizado em grupo, com várias matérias jornalísticas sobre ancestrais do homo sapiens sapiens, expressando uma diversidade de opiniões, conceitos, leituras, entendimentos e definições do processo evolutivo do chamado homem moderno.
No 3o bimestre, eu passo a tratar de 4 civilizações antigas, mas não em concordância com a visão
tradicional da evolução etapista da formação da sociedade ocidental. Eu trabalho com a Mesopotâmia, o Egito Antigo, a Índia Antiga e a China Antiga através de um mito de cada povo. A ideia é construir nossa própria leitura desses povos, enquanto formas culturais diversas de desenvolvimento humano na margem de grandes rios como Tigres e Eufrates, Nilo, Ganges e Amarelo. Não se trata de encontrar uma pretensa totalidade politico-econômica-sócio-cultural.
O trabalho para avaliação consiste em que cada estudante crie um povo e um mito. Através de alguns modos de operação como divisão social, rio, divindades, ele deve trabalhar com os conceitos apresentados anteriormente. A criatividade é incentivada.
No 4o bimestre, dou continuidade ao trabalho com mitos e civilizações. Através do mito da Guerra de Tróia (Ilíada de Homero), não só podemos construir uma leitura da civilização grega, como explorar a importância desse mito e da cultura grega para nosso tempo. Cada aluno fica responsável por um personagem do mito, que ele interpreta durante o estudo do mito. Além disso, ao fim das encenações, cabe a eles contarem o que aconteceu com o personagem depois da guerra (quem disse que a morte é um fim?), cada um tendo sua própria Odisseia.
Por fim, fechamos com a Eneida de Virgílio e a valorização da cultura grega no mundo romano.
Dá trabalho, mas modéstia a parte, é muito bom.