terça-feira, 12 de novembro de 2013

Vidas Secas de Nélson Pereira dos Santos


Baseado na obra de mesmo nome de Graciliano Ramos, o filme Vidas Secas de 1963 é magnificamente impactante e um elemento importante para o debate sobre terra e propriedade no Brasil, seguindo o eixo-temático do 8o ano. Salve salve pessoas... mais uma vez venho trazendo um dos filmes utilizados em sala de aula, pois entendo que essa obra tem inúmeros pontos a contribuir com a discussão.
Em primeiro lugar e mais diretamente, o tom minimalista do filme em preto e branco expõe de maneira impactante a realidade da vida no sertão do Nordeste. A vida seca transborda da tela. A aridez e inclemência do sol parece nos acompanhar a todos, enquanto acompanhamos Fabiano e sua família pisando sobre o chão seco. 
Confesso que temi que a linguagem do filme não conseguisse manter a atenção do público adolescente de 13, 14 anos, mas fui surpreendido.  Apesar do ritmo ser diferente do que eles estão acostumados, outros elementtos ajudaram a preder a atenção, como o filme ser dividido em três aulas, por exemplo. As imagens do filme dialogaram profundamente com a leitura de Os Sertões onde há um descrição exaustiva da flora e da fauna local por Euclides da Cunha, fator que também ajudou a familiarizá-los com a jornada. O caráter cíclico da seca (inclusive com a recente seca, uma das maiores das últimas décadas) também contribuíram na atualidade do assunto no imaginário dos estudantes.
Em segundo lugar, assim como o maravilhoso livro de Graciliano Ramos, a história se inicia e termina com aquela família rumando sem destino flagelada pela seca. O ciclo que marca a vida humana naquelas cercanias é apresentado em suas minúcias, sem falsas ilusões de esperança, na crueza da sobrevivência. A esperança que se mantém viva com a chuva, que engorda um pouco como os meninos de Sinhá Vitória, se esvai com o sumiço da água. A mesma marcha é retomada, enquanto os alentos, como a cachorra Baleia ficam pelo caminho.
Além disso, eu diria que está tudo lá: o patrão explorador; o Estado opressor; o banditismo como uma questão de classe, uma opção entre tanta miséria; o alento seja na cachaça ou nas folias populares; a desumanização do homem; o inferno dos condenados que surge nesse e não em outro mundo; a religião; as rotinas masculinas e femininas; a infância sem nome, cuja identidade é construída seguindo os passos miseráveis dos adultos.
Ainda que se trate de uma obra de ficção, há tanta história nessa narrativa, que ela dialoga profundamente com a realidade seja de 1938, de 1963 ou de 2013. Para pensar e tentar entender a história de seus avós, deles mesmo, do Recantos das Emas, do povo, dos retirantes... para tudo isso, esse filme se mostra um excelente ponto de partida para os estudantes.
Além deles se emocionarem com a morte da cachorra Baleia, rirem com os meninos tocando as cabras como se fossem bois, montando-as como vaqueiros mirins, se assustarem com a surra em Fabiano, se escandalizarem com a palavra inferno tantas vezes repetida ou não entenderem a necessidade de Sinha Vitória em ter sua cama de couro, todos eles percebem ali uma forma de existência humana. Uma forma de existência humana que dialoga com o cotidiano deles em aspectos macro e que os faz enxergar além nas particularidades da micro-história de uma família que poderia ser qualquer família. Eles percebem que eles conhecem aquelas pessoas e que precisam pensar melhor o próprio mundo. 

sábado, 2 de novembro de 2013

Rpg e Os Sertões de Euclides da Cunha

Salve pessoas, desculpem o sumiço, mas a correria tá grande com a seleção do doutorado, o fim de ano, festejos e planejamentos. O 4o bimestre já vai bem adiantado e muitas das propostas vão chegando ao fim do processo. Nas turmas de 6o ano, estamos estudando o mito da Guerra de Tróia, adaptado a partir de texto de Jean Pierre Vernant no livro O Universo, Os Deuses, OS Homens. Esse mito é explorado de forma mais densa que os anteriores, havendo um especial interesse pelo herói como modelo ideal do homem grego. Outros aspectos são a relação mito e história, a relação ocidente e oriente e o ideal da Grécia como "berço da civilização ocidental". 
Para deixar tudo mais interessante, os estudantes são convidados a teatralizar o mito. Cada um deles recebe um personagem: Aquiles, Ulisses, Heitor, Helena, Zeus, etc. Durante a narração do mito são responsáveis por interpretar o personagem, escolher o que ele falará, combater como ele, discutir com os demais. Na prática, estamos jogando rpg (role playing game), que é um jogo de interpretar papéis. Em cada uma das turmas há uma vivência única do mito e de seus personagens. Os interesses do estudante se confundem comos interesses do personagem. A molecada pira. As crianças tem oportunidade de gastar energia, usarem a agitação que as povoa, ao mesmo tempo que lidam com temas e conteúdos históricos.
Num segundo momento, ao final do mito, eles são convidados a escrever o que aconteceu com o seu personagem depois da Guerra de Tróia, como acontece com a Odisséia de Homero sobre Ulisses. Esse é o trabalho bimestral, que vale 5 pontos e tem que ter no mínimo 90 linhas (ele é famoso por isso). Além de trabalhar a criatividade e a produção do texto, isso se articula com o próximo e último mito a ser trabalhado: A Eneida de Virgílio para explorar o mundo romano. Da mesma forma que a Odisséia falava sobre o mundo grego, o trabalho dos estudantes fala sobre o mundo deles.
Nas turmas de 8o ano, nós estamos lendo o livro Os Sertões do Euclides da Cunha paralelamente à discussão da formação da nacionalidade brasileira. Ainda tendo por eixo-temático a questão da terra e propriedade, a análise de conteúdos de recorte político tradicional como o processo de independência, o primeiro reinado, a regência e o segundo reinado, dão lugar a uma análise das revoltas e lutas em torna da formação da nação, não só do Estado. Essa análise culmina com o conflito de Canudos. Então, nada melhor que ler a obra-prima de Euclides da Cunha.
No entanto, o livro é extremamente denso e rebuscado, me obrigando a acompanhar mais diretamente a leitura dos educando. Senti necessidade de passar minha leitura prévia com eles, além de realizar atividades de leitura. Mostrei a eles a importância de sublinhar as partes mais importantes, lembrei de procurarem significados das palavras que não entendiam, a fazer anotações sinteses para facilitar leituras posteriores e incentivei que buscassem resumos e resenhas para complementar a leitura. Por enquanto está andando bem.
No fim, o que mais se precisa, o que os estudantes (todos nós) precisam é ler e escrever.. e alguém para corrigir e orientar. E se divertir.. é claro.