segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Plano de aula para o 8o ano: terra, propriedade e nação


Salva salve pessoas, dando continuidade ao preparativos pro início do ano letivo, aqui vai o meu plano de aula pro 8o ano. Em 2013, ele ainda era um projeto, que agora está respaldado pela prática de um ano inteiro de efetiva aplicação (em 2012 teve a greve). Sendo assim, passou por alguma alterações e ganhou corpo.
Para começar o ano é necessário um planejamento das suas aulas. Mesmo que muita gente possa se gabar de dar uma aula excelente sem tê-la planejado (o que acontece bastante), o planejamento é parte da qualificação do processo de ensino-aprendizagem. Você pode ler excelentes manuais sobre como ensinar história, ter ótimas aulas de prática de ensino da história, mas só vai aprender a fazer planos de aulas, depois que tiver uma prática para embasá-lo.
Em um mundo ideal onde todos os professores tem um planejamento de suas aulas, um trabalho interdisciplinar é mais palpável. Pode-se ir além de pacotes de provas e temas transversais. Um planejamento de qualidade e integrado ao projeto político pedagógico da escola é capaz de transformar as vivências escolares dos atores da escola. É preciso tomar cuidado com a noção que depois de ter a prática, não se precisa mais planejar. Justamente o contrário, quanto mais prática, mais fácil e melhor o planejar.
A proposta que apresento a seguir é de aulas para o 8o ano do ensino fundamental. O livro didático com que trabalho é história temática da Conceição Cabrini e outros autores. Também trabalho muito com filmes, produção de textos e leituras.
O eixo-temático proposto para o 8o ano é Terra, Propriedade e Nação. Isso já é uma ampliação do recorte proposto pela coleção didática, que se atém aos dois primeiros conceitos de forma explícita. Ainda assim, a questão da formação dos Estados Nacionais Modernos é trabalhada nos capítulos finais do livro. Embora o livro seja excelente, ele ainda está muito preso a uma linearidade etapista e sequencial da história. Percebi isso em 2012 e no ano passado quebrei a sequência do trabalho. Resolvi inverter a ordem do discurso no intuito de tentar algo mais arqueológico (inspirado em Foucault) na discussão desses conceitos e na historicização desses processos. Mais do que simplesmente inverter a ordem dos elementos, meu interesse foi por explorar as camadas, os estratos de possibilidades que foram se acumulando ao longo da construção desse discurso, dessa longa história da civilização ocidental. Perceber mais do que a evolução do Estado, mais do que o progresso triunfante da propriedade capitalista. Meu interesse é por como se construiu essa ideia de progresso, esse modelo de triunfo quase inquestionável.
A prática me mostrou que ir além da linearidade tradicional é um esforço constante, pois alguns alunos mostraram dificuldades em lidar com diferentes temporalidades. Houve confusão quanto à sequência de acontecimentos como situar a Idade Média após a Revolução Francesa por tê-la estudado depois. Isso não significa o fracasso da proposta, mas sim que precisei criar mecanismos de diálogo entre a linearidade e a visão arqueológica do conhecimento histórico. O objetivo não pode ser romper com a linearidade, mas problematizá-la e através disso, ampliar as possibilidades do espírito crítico dos estudantes.
No primeiro bimestre, inicio com a discussão sobre o conceito de história. Passamos a conceitos de posse, propriedade e à discussão da questão da terra na história do Brasil. A lei de terras de 1850, a escravidão, o movimento dos sem terra e outros elementos são problematizados. Depois é a vez de explorar outras geografias e períodos como a reforma agrária mexicana, a propriedade da terra na África subsaariana pré-colonial e na Roma Antiga. Integrado a isso, trabalho a leitura do livro Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto, cuja leitura é iniciada em sala de maneira expositiva, passando à leitura coletiva e à leitura individual. O trabalho com o livro no presente ano deve ser ainda mais frutífero, pois ano passado, os educandos trabalharam o mesmo livro nas aulas de português do 7o ano.
Além disso, há a  exibição de partes selecionadas de vários filmes como: O Labirinto do Fauno de Guillermo Del Toro; Narradores de Javé de Eliane Caffé; Acercadacana de Felipe Calheiros; Ilha das Flores de Jorge Furtado;  Cabra Marcado pra Morrer de Eduardo Coutinho e Spartacus de Stanley Kubric. Também faço uso de músicas como Banditismo por uma questão de classe de Chico Science e Nação Zumbi e Asa Branca de Luiz Gonzaga. 
Esse trabalho é inspirado pela proposta de Marcos A. Silva e Selva Guimarães Fonseca no capítulo intitulado Imaginário e Representações no Ensino de História do livro Ensinar História no Século XXI: Em Busca do Tempo Perdido . Tendo trabalhado a proposta no dois últimos anos, já proponho aqui desdobramentos para as ideias dos autores. O trabalho bimestral é a produção de um texto sobre a casa dos estudantes. Cada um deles, de acordo com um roteiro, deve buscar historicizar sua propriedade (ou posse). Há uma atenção à escrita e produção do texto, mas o objetivo principal é conhecer ainda mais o universo dos educandos, como interpretam e representam suas realidades, trazendo suas vivências para o centro dessa discussão. Narradores de suas Javés.
No 2o bimestre, ao invés de seguir com os autores do livro didático que passam da desestruturação do Império Romano para o processo de formação do feudalismo e dai para o longo processo de ascensão da burguesia que culmina na Revolução Francesa ao fim do 3o bimestre, minha proposta é iniciar pela Revolução Francesa e buscar o próprio questionamento desse progresso luminoso. É ambicioso o que proponho, mas acredito que essa arqueologia permita uma compreensão mais critica pelos estudantes. Ao invés de levá-los a entender a formação da civilização ocidental pelos conflitos de forças econômicas e grupos sociais por propriedades, questionar como nossas formas de pensar a propriedade foram se afirmando.
Também estou atento ao fato de que não estou eliminando o etapismo progressista de meus horizontes de expectativa, pois continuo trabalhando com várias vedetes da historiografia como Revolução Francesa, Revolução Industrial, Reforma Protestante, Iluminismo, entre tantos. Uma vez mais repito, no entanto, que meu objetivo não é exaltar a inevitabilidade de um progresso, mas as condições de possibilidade de sua afirmação.  Como já adiantei antes, é preciso um trabalho atento e cuidadoso junto aos alunos para lidar com a crítica ao etapismo linear.
Faço uso de material historiográfico como Reflexões sobre a Revolução Francesa de Edmund Burke, além de filmes como Danton de Andrzej Wajda, Excalibur de John Boorman, Asterix e Obelix de Claude Zidi. Trechos desses filmes e de outros entram na discussão da construção / reconstrução dos modelos de nação desejados na sociedade burguesa que vai se afirmar após a revolução. Ainda assim, o principal material desse bimestre é a leitura do livro A Utopia de Thomas More (ou Morus). Essa obra única é utilizada para oferecer ideias para pensar o mundo anterior à Revolução Francesa, bem como as contradições que impeliam as mudanças. A perfeição da ilha de Utopia é o contraponto da Inglaterra do século XVIII, mas também da França pré-revolucionária e até mesmo do Brasil do século XXI. 
Com isso, o feudalismo e o medievo passam para o 3o bimestre nesse processo. Há da minha parte, como já dito, o cuidado de remeter e lembrar da linearidade tradicional, mas contrapondo-a a análise que escava as camadas. Já que não nos é possível apreender o tempo, não é preciso nos prender a uma ideia de narrativa da temporalidade que é criada por nós e não pelo próprio tempo. Por isso, há um discussão prévia para deixar o pensamento novamente afiado após as férias de meio de ano. 
A proposta é ir além da noção de Idade Média como era das trevas entre a Idade Antiga e a modernidade. Mais do que buscar o pré-capitalismo na morte anunciada do feudalismo, acredito ser mais produtivo a discussão do conceito de medievo na modernidade. Para tanto, além de problematizar o medievo tradicional, buscar outras Idades Médias. Para tanto, são trabalhados diversos filmes como O Nome da Rosa de Jean-Jacques Annaud, El Cid de Anthony Mann, O Incrível Exército Brancaleone de Mario Monicelli e Coração Valente de Mel Gibson. Todos tomados como imaginários localizados daquilo que já não é, o passado. Esses imaginários sobre a Idade Média são discutidos com a orientação do texto Dez Modos de Sonhar a Idade Média de Umberto Eco, que também perpassa a discussão da lutas de poder pelas terra e pelos imaginários.
A avaliação é feita através da apresentação de seminário sobre a "Idade Média" de outras regiões do mundo como a América, a Áfica, o Oriente Médio, a China e a Índia. Os grupos são formados em parte pelos estudantes e em parte por mim para equilibrar os interesses e necessidades. 
Com o 4o bimestre, a ideia é passar para o processo de independência brasileiro e a análise da formação não especialmente do Estado brasileiro, mas da nação em terras tupiniquins. Processo esse enredado pela questão da terra e da propriedade. A análise se concentra nos inúmeros conflitos ocorridos ao longo da história do Brasil, das revoltas, insurreições ou revoluções. Analisar o estabelecimento de uma ordem a partir do que ela tenta enquadrar.
Aqui temos novamente o uso de vários filmes que vão desde Carlota Joaquina de Carla Camurati até Vidas Secas de Nélson Pereira dos Santos. Este último é tratado com maior profundidade. O livro trabalhado é Os Sertões de Euclides da Cunha, cuja leitura é trabalhada paralelamente ao conteúdo, que culmina com a análise do conflito de Canudos. Ao fim, a proposta não é que os educandos tenham decorado o que é terra, propriedade e nação, mas que através dessas ferramentas conceituas, eles sejam capazes de ler, interpretar e reescrever / recriar suas realidades. Dá trabalho.. por isso que é bom.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Plano de aula para o 6o ano: tempos, mitos e culturas (2014)



Salve salve pessoas, pois que o ano enfim começa. Tô aqui com meus planejamento presse 2014. Com muita poeira de estrada nos rastros, cheio de ideias na cachola, tenho cá meus projetos políticos pedagógicos presse ano. Mas vamos ao que interessa. Meus eixos temáticos pro 6o ano são tempos, mitos e culturas. O texto aqui é muito parecido com o que publiquei ano passado, mas com acréscimos, correções e mudanças. Essas temáticas seguem a proposta da coleção História Temática da Conceição Cabrini e outros que uso e já citei aqui no blog.
Eu adoro dar aula pro 6o ano, me preparei muito bem pra isso durante um bom tempo, sendo um dos recortes da minha dissertação de mestrado (http://repositorio.bce.unb.br/handle/10482/1268). Os motivos de minha predileção são muitos: é o primeiro momento em que os alunos tem contato com um professor formado em história; marca a passagem dos anos iniciais pros finais do ensino fundamental, com mais disciplinas, professores, obrigações; tem início a consolidação de conceitos científicos dos educandos, em articulação com suas concepções espontâneas (na ótica de Vygotski); até mesmo a chamada pré-adolescência desse fim de infância é interessante.
A ideia de concepções espontâneas é meu ponta pé inicial. Normalmente, todos os livros didáticos de história iniciam suas coleções de história dos anos finais do ensino fundamental com um capítulo ou com uma apresentação sobre o que é história, alguns conceitos operacionais como tempo, sociedade, cultura e logo passa para o que denominam de "pré-história". Existem dois graves problemas aqui. O primeiro é apartar conceitos e conteúdo, isolando os primeiros como ferramentas ideais para o desenvolvimento do conteúdo, ou seja, realça-se o conteudismo em detrimento do desenvolvimento teórico e crítico dos educandos. Não se ensina a pensar historicamente.. se ensina uma certa história. Um desdobramento disso é a ilusão de não se estar afirmando um modelo de história nesses conteúdos ensinados, como se o conteúdo tivesse um valor intrínseco, essencial e inescapável. Enquanto isso, esse modelo é afirmado e reafirmado por esse silêncio teórico-metodológico.
O segundo problema é deixar de lado, ignorar ou até mesmo atropelar as concepções espontâneas que os estudantes já trazem consigo de uma longa vivência pré-6o ano. Não só a escola já vinha envolvendo-os em um entendimento social e pedagógico de tempo, como as incontáveis experiências para além dos muros da escola também já deixaram suas marcas em seus horizontes de expectativa. Viver e pensar a história chega muitos antes da disciplina história e de seus disciplinadores.
É importante dialogar sobre os fundamentos teóricos e metodológicos da história com os educandos, assim como valorizar o espaço de suas experiências na construção de possíveis entendimentos da historiografia. Para isso, desenvolvo meu trabalho do 1o bimestre todo concentrado na discussão de o que é história. Eu inicio com a discussão do conceito que os estudantes tem de história, apresento o conceito de alguns dicionários sobre o que é história e finalmente o meu próprio entendimento. Esse debate integra-se às noções de biografia e autobiografias, onde os educandos são instigados a pensarem suas próprias histórias de vida e de outras pessoas.
Pretendo inaugurar uma nova dinâmica avaliativa através da leitura de artigos relacionados aos temas tratados e desenvolvidos (como por exemplo, uma matéria de jornal sobre a exposição do quadro Guernica, quando discutimos a biografia de Pablo Picasso). Será uma espécie de recuperação continuada que pode ser articulada com outras disciplinas, muito embora, meu real interesse seja pluralizar as possibilidades de discussão.
Em conjunto com o debate sobre documentos históricos, a relação entre a pesquisa e a narração sobre o passado, o trabalho bimestral dos estudantes é escrever a biografia de seus avós. Para tanto, eles devem realizar entrevistas de acordo com um roteiro previamente tratado em sala. Posteriormente, os trabalhos são corrigidos e discutidos com todo o grupo, de modo que cada turma produz uma síntese das informações baseada nos dados coletados de cada turma e do conjunto das turmas. Assim, além de se articular a experiência pessoal e familiar dos estudantes, constrói-se uma leitura da história local, uma representação da comunidade da qual eles fazem parte. Ao longo desses 4 anos em que desenvolvo esse trabalho, isso me permitiu articular histórias de vida com a história do Recanto das Emas (região administrativa onde trabalho), partindo num segundo momento para a história de Brasília (o que culmina com a data do aniversário de Brasília no final do 1o bimestre e início do 2o bimestre). Ao invés de fazer dos educandos os receptáculos pretensamente vazios de um saber pronto conhecido por mim, minha proposta é construir com eles uma história deles mesmos, de suas famílias, de sua cidade.
Em 2012, esse trabalho também foi reapresentado e retrabalhado para feira de ciências do 3o bimestre, articulado com as biografias produzidas pelos estudantes nas aula de português. Esse projeto além de me trazer enorme satisfação também é utilizado por mim como pesquisa para o doutorado. Meu projeto de pesquisa foi aprovado no fim de 2012 no programa de pós-graduação da UnB, muito embora tenha ganhado uma orientação de história urbana do Recanto das Emas, buscando outras interlocuções além da memória dos estudantes e moradores. Ainda assim, é uma pesquisa sobre ensino de história, sobre minha prática e sobre essa comunidade da qual tomo parte.
Integrada a essa síntese, é desenvolvida a discussão das percepções do tempo, os instrumentos culturais para marcar a passagem do tempo, os ciclos e as linearidades, o tempo histórico, tradição e ruptura. Atentando para a diversidade das culturas em seus entendimentos e expressões do tempo, entender o nosso tempo e o tempo do outro. Esse ano pretendo incluir uma visita ao planetário de Brasília, que foi reformado. Creio que não poderei levar todos os alunos do 6o ano, mas farei o melhor possível.
No 2o bimestre, articulado com os conceitos tratados desde o começo do ano, nós passamos para a discussão sobre a formação do universo, dos astros e, principalmente, da vida. Debatendo as próprias ideias de evolução, criação, origem, os alunos são instigados a pensar sobre as convergências e divergências, heranças e perdas do que entendemos por ser humano. Rompendo com uma noção de "pré-história", esse período histórico é abordado como teatro do que vemos como fundamental em nossa sociedade: o trabalho, a propriedade, o artesanato, a agricultura, o comércio, a metalurgia, a escrita.
O trabalho bimestral é realizado em grupo, com várias matérias jornalísticas sobre ancestrais do homo sapiens sapiens, expressando uma diversidade de opiniões, conceitos, leituras, entendimentos e definições do processo evolutivo do chamado homem moderno.
Este ano, pretendo acrescentar o material da minha viagem à África do Sul ano passado, região onde estão vários dos mais antigos fósseis humanos. Pude fotografar o famoso australopithecus sediba, descoberto em 2009, além de ficar impressionado com o museu de história natural da Cidade do Cabo. Como sempre faço, a idéia é integrar o mundo lá fora à sala de aula, Viajar é preciso, meus caros.
No 3o bimestre, eu passo a tratar de 4 civilizações antigas, mas não em concordância com a visão
tradicional da evolução etapista da formação da sociedade ocidental. Eu trabalho com a Mesopotâmia, o Egito Antigo, a Índia Antiga e a China Antiga através de um mito de cada povo. A ideia é construir nossa própria leitura desses povos, enquanto formas culturais diversas de desenvolvimento humano na margem de grandes rios como Tigres e Eufrates, Nilo, Indo e Amarelo. Não se trata de encontrar uma pretensa totalidade politico-econômica-sócio-cultural em lenta formação.
O trabalho para avaliação consiste em que cada estudante crie um povo e um mito. Através de alguns modos de operação como divisão social, rio, divindades, ele deve trabalhar com os conceitos apresentados anteriormente. A criatividade é incentivada.
No 4o bimestre, dou continuidade ao trabalho com mitos e civilizações. Através do mito da Guerra de Tróia (Ilíada de Homero), não só podemos construir uma leitura da civilização grega, como explorar a importância desse mito e da cultura grega para nosso tempo. Cada aluno fica responsável por um personagem do mito, que ele interpreta durante o estudo do mito. O teatro (or rpg) do mito é o grande evento do ano. Os estudantes ficam realmente alucinados, já me esperando com tudo pronto pra ação começar. Valorizam ao máximo seus papéis. Penso em tentar fazer uma grande apresentação coletiva ao fim do ano letivo, mas por hora é só ideia.
Além disso, ao fim das encenações, cabe a eles contarem o que aconteceu com o personagem depois da guerra (quem disse que a morte é um fim?), cada um tendo sua própria Odisseia.
Por fim, fechamos com a Eneida de Virgílio e a valorização da cultura grega no mundo romano.
Dá trabalho, mas modéstia a parte, é muito bom... e está sempre sendo melhorado.