Salve salve pessoas, após muitas viagens e mudanças de rotas eis que chegam os novos planos para 2015. Este ano eu ia estar de licença remunerada para o doutorado e ficaria fora de sala pelos próximos 3 anos. Eu já poderia estar de licença desde o começo do ano passado, mas quis conciliar o primeiro ano (a licença está garantida no meu plano de carreira aqui do DF, mediante um seleção que precisa ser publicada em edital). E o que aconteceu? Com o desmantelo do governo passado, não saiu edital no fim de 2014 e com "a crise" no início de 2015, não creio que vá sair no meio do ano. Assim sendo, lá vamos nós, que a Ana, minha primeira filha, nasce em maio e aí será filha, trabalho, doutorado e viver... mas só fica mais difícil, não é mesmo?
Nesse ano terei 9 turmas de 6o ano, o que pra mim é uma alegria sem igual e facilita meu trabalho. Modéstia à parte, sou um sensacional professor de 6o ano e curto muito os seres humanos nessa faixa etária de fim da infância. Também terei pela primeira vez uma turma de 9o ano, do que falarei na próxima postagem. Meus eixos temáticos pro 6o ano são tempos, mitos e culturas. O texto aqui é muito parecido com os que publiquei nos últimos anos, mas com acréscimos, correções e mudanças. Essas temáticas seguem a proposta da coleção História Temática da Conceição Cabrini e outros que uso e já citei aqui no blog. Hoje em dia, a coleção se chama Velear e falo sobre ela no meu texto sobre livros didáticos.
Eu adoro dar aula pro 6o ano, me preparei muito bem pra isso durante um bom tempo, sendo um dos recortes da minha dissertação de mestrado. Além disso, já são 5 anos de experiência (10 turmas de 6o ano em 2010, 10 turmas em 2011, 7 turmas em 2012, 6 turmas em 2013 e 7 turmas em 2014). Os motivos de minha predileção são muitos: é o primeiro momento em que os educandos tem contato com um professor formado em história; marca a passagem dos anos iniciais pros finais do ensino fundamental, com mais disciplinas, professores, obrigações; tem início a consolidação de conceitos científicos dos educandos, em articulação com suas concepções espontâneas (na ótica de Vygotski); até mesmo a chamada pré-adolescência desse fim de infância é interessante.
A ideia de concepções espontâneas é meu ponta pé inicial. Normalmente, todos os livros didáticos de história iniciam suas coleções de história dos anos finais do ensino fundamental com um capítulo ou com uma apresentação sobre o que é história, alguns conceitos operacionais como tempo, sociedade, cultura e logo passa para o que denominam de "pré-história". Existem dois graves problemas aqui. O primeiro é apartar conceitos e conteúdo, isolando os primeiros como ferramentas ideais para o desenvolvimento do conteúdo, ou seja, realça-se o conteudismo em detrimento do desenvolvimento teórico e crítico dos educandos.
Os conceitos devem ser operacionalizados no trato com os conteúdos na minha opinião. Você pode discutir a história como discurso, como prática, como operação, como lente, como sentido ou qualquer outro regime que lhe interessar. Pensar o que é a história, o que é tempo deve ser encarado como pensar o que é contar uma história, fazer uma história, manipular uma história, dessecar uma história, acreditar em quantas histórias se queira.
Não se costuma ensina a pensar historicamente.. se ensina uma certa história. Um desdobramento disso é a ilusão de não se estar afirmando um modelo de história nesses conteúdos ensinados, como se o conteúdo tivesse um valor intrínseco, essencial e inescapável. Enquanto isso, esse modelo é afirmado e reafirmado por esse silêncio teórico-metodológico.
Os conceitos devem ser operacionalizados no trato com os conteúdos na minha opinião. Você pode discutir a história como discurso, como prática, como operação, como lente, como sentido ou qualquer outro regime que lhe interessar. Pensar o que é a história, o que é tempo deve ser encarado como pensar o que é contar uma história, fazer uma história, manipular uma história, dessecar uma história, acreditar em quantas histórias se queira.
Não se costuma ensina a pensar historicamente.. se ensina uma certa história. Um desdobramento disso é a ilusão de não se estar afirmando um modelo de história nesses conteúdos ensinados, como se o conteúdo tivesse um valor intrínseco, essencial e inescapável. Enquanto isso, esse modelo é afirmado e reafirmado por esse silêncio teórico-metodológico.
O segundo problema é deixar de lado, ignorar ou até mesmo atropelar as concepções espontâneas que os estudantes já trazem consigo de uma longa vivência pré-6o ano. Não só a escola já vinha envolvendo-os em um entendimento social e pedagógico de tempo, como as incontáveis experiências para além dos muros da escola também já deixaram suas marcas em seus horizontes de expectativa. Viver e pensar a história chega muitos antes da disciplina história e de seus disciplinadores.
É importante dialogar sobre os fundamentos teóricos e metodológicos da história com os educandos, assim como valorizar o espaço de suas experiências na construção de possíveis entendimentos da historiografia. Para isso, desenvolvo meu trabalho do 1o bimestre todo concentrado na discussão de o que é história. Eu inicio com a discussão do conceito que os estudantes tem de história, apresento o conceito de alguns dicionários sobre o que é história e finalmente o meu próprio entendimento. Esse debate integra-se às noções de biografia e autobiografias, onde os educandos são instigados a pensarem suas próprias histórias de vida e de outras pessoas.
Mesmo que os estudantes cheguem depois, faltem as aulas, esse primeiro passo é essencial para mim. Ele fundamenta todo o resto e faz com que não haja a opção de discutir a concepção do educando, pensar sua biografia e suas relações sociais, familiares e escolares.
Pretendo inaugurar uma nova dinâmica avaliativa através da leitura de artigos relacionados aos temas tratados e desenvolvidos (como, por exemplo, uma biografia de Cândido Portinari e de Izabel da Cunha, contidas no livro didático, a minha própria e a deles mesmos). É uma constante avaliação e construção de saberes, pode ser uma recuperação continuada articulável com outras disciplinas, muito embora, meu real interesse seja pluralizar as possibilidades de discussão.
Em conjunto com o debate sobre documentos históricos, a relação entre a pesquisa e a narração sobre o passado, o trabalho bimestral dos estudantes é escrever a biografia de seus avós. Para tanto, eles devem realizar entrevistas de acordo com um roteiro previamente tratado em sala. Posteriormente, os trabalhos são corrigidos e discutidos com todo o grupo, de modo que cada turma produz uma síntese das informações baseada nos dados coletados de cada turma e do conjunto das turmas. Assim, além de se articular a experiência pessoal e familiar dos estudantes, constrói-se uma leitura da história local, uma representação da comunidade da qual eles fazem parte. Ao longo desses 5 anos em que desenvolvo esse trabalho, isso me permitiu articular histórias de vida com a história do Recanto das Emas (região administrativa onde trabalho), partindo num segundo momento para a história de Brasília (o que culmina com a data do aniversário de Brasília no final do 1o bimestre e início do 2o bimestre). Ao invés de fazer dos educandos os receptáculos pretensamente vazios de um saber pronto conhecido por mim, minha proposta é construir com eles uma história deles mesmos, de suas famílias, de sua cidade.
Este ano, haverá um momento adicional, pois irei envolver os educandos do 9o ano. Pretendo que eles formem grupos, que lerão, corrigirão alguns trabalhos e elaborarão um texto sobre sua pesquisa (tudo acompanhado por mim).
Nenhum estudante conclui o ano comigo sem fazer esse trabalho. Minha cobrança faz com que até 80% realizem até o prazo inicial, mais 15% até o fim do bimestre. Mesmo que o educanda chegue no meio do ano, ou seja evasivo à máxima potência, em último caso, eu sento ele na biblioteca e fazemos o trabalho. Lembre que o objetivo não é puni-lo por não fazer, o objetivo é fazer (e querer fazer). Nos últimos três anos, esse trabalho também foi reapresentado e retrabalhado para feira de ciências do 3o bimestre, articulado com as biografias produzidas pelos estudantes nas aula de português.
Esse projeto além de me trazer enorme satisfação também é utilizado por mim como pesquisa para o doutorado. Meu projeto de pesquisa foi aprovado no fim de 2012 no programa de pós-graduação da UnB, muito embora tenha ganhado uma orientação de história urbana do Recanto das Emas, buscando outras interlocuções além da memória dos estudantes e moradores. Ainda assim, é uma pesquisa sobre ensino de história, sobre minha prática e sobre essa comunidade da qual tomo parte.
Integrada a essa síntese, é desenvolvida a discussão das percepções do tempo, os instrumentos culturais para marcar a passagem do tempo, os ciclos e as linearidades, o tempo histórico, tradição e ruptura. Atentando para a diversidade das culturas em seus entendimentos e expressões do tempo, entender o nosso tempo e o tempo do outro. Há uma visita ao planetário de Brasília, que foi reformado. Não é possível levar todos os alunos do 6o ano, o planetário poderia oferecer um acerco e videos melhores, mas ainda assim o passeio é válido.
No 2o bimestre, articulado com os conceitos tratados desde o começo do ano, nós passamos para a discussão sobre a formação do universo, dos astros e, principalmente, da vida. Debatendo as próprias ideias de evolução, criação, origem, os alunos são instigados a pensar sobre as convergências e divergências, heranças e perdas do que entendemos por ser humano. Rompendo com uma noção de "pré-história", esse período histórico é abordado como teatro do que vemos como fundamental em nossa sociedade: o trabalho, a propriedade, o artesanato, a agricultura, o comércio, a metalurgia, a escrita.
O trabalho bimestral é realizado em grupo, com várias matérias jornalísticas sobre ancestrais do homo sapiens sapiens, expressando uma diversidade de opiniões, conceitos, leituras, entendimentos e definições do processo evolutivo do chamado homem moderno.
Além disso, acrescento o material da minha viagem à África do Sul ano passado, região onde estão vários dos mais antigos fósseis humanos, além dos lêmures de Madagascar. Pude fotografar o famoso australopithecus sediba, descoberto em 2009, além de ficar impressionado com o museu de história natural da Cidade do Cabo. Como sempre faço, a ideia é integrar o mundo lá fora à sala de aula, Viajar é preciso, meus caros.
No 3o bimestre, eu passo a tratar de 4 civilizações antigas, mas não em concordância com a visão
tradicional da evolução etapista da formação da sociedade ocidental. Eu trabalho com a Mesopotâmia, o Egito Antigo, a Índia Antiga e a China Antiga através de um mito de cada povo. A ideia é construir nossa própria leitura desses povos, enquanto formas culturais diversas de desenvolvimento humano na margem de grandes rios como Tigres e Eufrates, Nilo, Indo e Amarelo. Não se trata de encontrar uma pretensa totalidade politico-econômica-sócio-cultural em lenta formação.
O trabalho para avaliação consiste em que cada estudante crie um povo e um mito. Através de alguns modos de operação como divisão social, rio, divindades, ele deve trabalhar com os conceitos apresentados anteriormente. A criatividade é incentivada. Como é um trabalho mais complexo e feito em casa, o índice de realização chega a 65% na data marcada e 90% até o fim do bimestre.
No 4o bimestre, dou continuidade ao trabalho com mitos e civilizações. Através do mito da Guerra de Tróia (Ilíada de Homero), não só podemos construir uma leitura da civilização grega, como explorar a importância desse mito e da cultura grega para nosso tempo. Cada estudante fica responsável por um personagem do mito, que ele interpreta durante o estudo do mito. O teatro (or rpg) do mito é o grande evento do ano. Os estudantes ficam realmente alucinados, já me esperando com tudo pronto pra ação começar. Valorizam ao máximo seus papéis. A grande apresentação coletiva ao fim do ano letivo foi um sucesso. Ainda que não tenhamos chegado a apresentar para a escola, como planejado inicialmente, os ensaios foram o máximo, com envolvimento de alguns educandos do 8o e 9o ano, que sempre tem um saudosismo de seus papéis. Houve a criação de uniformes e até mesmo de réplicas de armas e capacetes. Tudo isso pode ser visto nos vídeos em anexo.
Além disso, ao fim das encenações, cabe a eles contarem o que aconteceu com o personagem depois da guerra (quem disse que a morte é um fim?), cada um tendo sua própria Odisseia.
Por fim, fechamos os trabalhos com a Eneida de Virgílio e a valorização da cultura grega no mundo romano.
Dá trabalho, mas modéstia a parte, é muito bom... e está sempre sendo melhorado.
3 comentários:
Hey, Professor Jorge de que horas até que hora o Sr, está presente na escola Cef 308? E dias...
Márcio, estou lá todo dia pela manhã... na parte da tarde estou toda 4a feira...
Ah..Vou ver se apareço por lá na quarta! Já faz 2 anos que não o vejo.
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