terça-feira, 31 de março de 2015

Cadeia não resolve ou A importância do ato de ler e fazer Paulo Freire

Salve salve pessoas. Ana chega em 5 semanas, doutorado vai de vento em popa, mas a semana é santa e não é que achei tempo escasso depois de mais de um mês sumido. Rapadura é doce mas não é mole não. Tem 300 trabalhos de biografias dos avós ali empilhados para serem corrigidos.
Posso adiantar brevemente que a experiência primeira com o 9o ano está sendo fantástica. Merece uma postagem, mas não vai ser o caso aqui. Hoje, em homenagem a um grande amigo, Guilherme Guth de Paiva, eu vim falar sobre o Paulo Freire.
Houve a polêmica da faixa no dia 15/03. Muitos já saíram em defesa do educador Paulo Freire com as mais belas palavras e com a justa questão de que falta paulofreirizar a nossa educação. Como falta.
Estive essas duas semanas com isso entalado nas ideias e venho fazer mais uma defesa, mas talvez um pouco diferente: venho defender a necessidade de Paulo Freire com o que tenho de melhor, minha prática de professor.
"Concluindo estas reflexões em torno da importância do ato de ler, que implica sempre percepção crítica, interpretação e 're-escrita' do lido, gostaria de dizer que, depois de hesitar um pouco, resolvi adotar o procedimento que usei no tratamento do tema, em consonância com a minha forma de ser e com o que posso fazer" (Paulo Freire em A importância do ato de ler, p. 24).
Esse livreto de 1982 repousa na minha estante desde o início dos anos de 2000, quando o desejo de ser professor e o curso de história na UnB (entre outras forças) levaram-me a pescá-lo entre o livros do meu pai, que tinham sido também da minha mãe Maria do Rosário Caetano. Autografado pelo próprio Paulo Freire em 1982 para ela com "um rosário de simpatia".
Ele chegou aos meus olhos, de certo modo, como chegaram os cds do Pink Floyd aos 16 anos, sem imposição, mas como uma opção ao alcance, que busquei quando quis. Paulo Freire sempre foi uma leitura importante para mim, tendo em 2003 dado uma aula para a turma de Prática de Ensino do professor Jaime de Almeida, quando fui seu monitor e ele viajou. Aprendi com Freire que a educação deve libertar, deve habilitar para a crítica, para questionar. Que o ensino bancário vinha sufocando as vivências tão profundas e magníficas de tantos seres humanos. Que a educação não era privilégio da sala de aula ou de qualquer espaço. Aprendi que aprender-ensinar era uma postura de vida.
Aprendi que ser professor era muito mais mais aprender e ensinar a aprender do que qualquer outra coisa.
Com o tempo (e leituras de Foucault), a vida trouxe meus pés pro chão, mesmo com a mente sempre no infinito (e além). Percebi que o sistema é disciplinador e que quanto mais útil, mas disciplinado você foi. Os termos já vem dados. Mas aprendi que o uso é nosso. Existe uma arte do fazer. E nisso, Foucault e Freire podem sim dar as mãos e protestar.
"O objetivo principal não é descobrir, mas refutar o que somos. (...) Não é libertar o indivíduo do Estado e de suas instituições, mas libertar-nos, nós, do Estado e do tipo de individualização que vai ligada a ele. É preciso promover novas formas de subjetividade..." (Michel Foucault em O Sujeito e O Poder, que li no Jorge Larrosa - Tecnologias do Eu e a Educação, p.86).
Educar com crítica, interpretação e re-escrita do lido deve promover novas formas de subjetividade.
Na minha em prática de sala de aula sempre confronto a leitura dos meus estudantes. Tem que ler. Não tem opção. E todos leem.
E tem que treinar. "Leia tudo que passar na sua frente. Livro, pacote de biscoito, vidro de xampu. Leia tudo, porque ler nunca é demais". Sempre digo isso. No meu plano de aula do 8o ano tem 3 livros: Morte e Vida Severina, A Utopia e Os Sertões. No 9o tem texto acadêmicos: José Murilo de Carvalho, Marcelo Magalhães e até meu, entre outros, além do A Revolução dos Bichos. Lemos em grupo, reescrevemos. Escrevemos o que queremos dizer para também lê-lo. Leitura e produção de textos. Releitura e discussão de textos.
A leitura tem que ser em voz alta. Tem que ser em casa, na rua e na escola. A leitura tem que ser discutida. Problemas tem de ser identificados e soluções podem ser propostas. A vida é discursiva e os discursos são vivos.
Tem que aprender a ler os textos, as imagens, as pessoas, as culturas e os mundos.
O ato de ler, sábio Freire, é fundamental.
Temos de ler a beleza da língua portuguesa. A musicalidade de uma saudade. A graça de quintilhões. O significado de grafia do grego escrever. O conforto de poltrona. As semânticas das histórias.
Ouvi dizer que na Finlândia as fronteiras cedem... bom seria, creio, mas aprendi que me vou com meu jeito de ser e com o que posso fazer". Sei que aqui abrem caminho para a redução da maioridade penal.
Nós queremos mais leitura, Freire. Eles querem mais cadeia. E ainda dizem que basta de nós...



Um comentário:

leila saads disse...

Adorei o texto, Jorge! Tenho uma pergunta: você pede os livros na lista de material e os pais compram? Ou a escola tem exemplares suficientes pra emprestar pra todo mundo? Beijoo