Salve salve pessoas, segue a vida de quem
perdeu sua escola pra militarização e agora vai buscando novos espaços de
atuação. Esse ano também estou atrasado com o planejamento de aula (pelo
menos colocar no papel).
Hoje comecei a lecionar no CASEB.
Finalmente deu pra por os pés no chão sobre como vai ser o ano. Confesso que a
semana pedagógica foi meio caótica. Seja como for, a escola funcionará para
todos os alunos nos dois turnos. Uma ala da escola está em reformas. Até
sexta-feira tudo indicava que o projeto do ensino integral nem começaria hoje.
Mas começou.
Não sou o professor com carga de história
para o 6º ano (pode chorar comigo...). AInda assim, vou trabalhar com as 4
turmas de 6º e 3 das 4 de 7º. Encontrei hoje com uma turma de 6º e uma de 7º.
Com isso, terei 4 e não 3 aulas com cada turma, todas duplas. Eu estou alocado
em um projeto (para não ser devolvido) chamado Formação Social e Pessoal (FSP)
voltado para professores de português.
Eu já trabalho com projetos no ensino
regular, o que pretendo aqui é elaborar um projeto articulado ao que é
demandado na proposta inicial do projeto (ética, cidadania, cultura da paz).
Em um primeiro momento eu fiquei arrasado.
Nem posso dizer que superei totalmente. Mas também estou enxergando o desafio.
Eu já não trabalhava com notas e mantinha certas formalidades por exigência do
sistema. A atual situação é uma oportunidade de construir um processo de
ensino-aprendizagem não pela avaliação em si, mas pelo refletir e interpretar
os sujeitos. Existe muita dificuldade com a implementação sempre solta e
truncada do projeto da secretaria de educação, mas também pouca iniciativa
afirmadora de um projeto pela própria comunidade e direção da escola. Isso
significa que há muito espaço para construir algo realmente diferente e
instigante.
Tanto para o 6º ano quanto para o 7º, eu
pretendo manter os mesmo eixos com que sempre trabalho (uma vez que os
estudantes do 7º não tiveram aula comigo no 6º): tempos e cidades, mitos e
culturas. Com base no trabalho dos últimos 2 anos, a valorização do tema da
cidade a partir da experiência do doutorado tornou-se fundamental para a
estruturação das aulas. Porém, esse ano há um fundamental diferencial: é a
primeira vez que não irei lecionar no Recanto das Emas. Sendo assim, é
inescapável continuar a fazer uso de todo o conhecimento construído nos 10 anos
em que atuei como professor nessa cidade, mas agora há novas possibilidades a
serem trabalhadas. Com base na leitura do PPP do CASEB do ano passado,
identifiquei que o CASEB possui um público majoritário de alunos de
cidades-satélites e não do Plano Piloto, sendo a mais numerosa São Sebastião.
Espero que as reflexões e análises oriundas da construção da minha tese sobre o
Recanto das Emas e suas moradoras e moradores sigam a dialogar com os
interesses e necessidades das minhas educandas e educandos, mesmo que sejam
moradores de outras cidades. Hoje mesmo já encontrei duas estudantes do Recanto
inclusive.
Em certa medida, eu lidava com isso ao
receber estudantes de Santo Antônio do Descoberto (que no CEF 113 chegavam a
ser 20% dos estudantes). Agora, acredito que o papel de Brasília como eixo
agregador das histórias de vida e urbanas será mais forte, uma vez que haverá
uma pulverização maior do bordado que teceremos. Como o CASEB é uma escola que
completa 60 anos e possui essa mitificação da primeira escola de Brasília, os
alunos ilustres e outras representações que o destacam como importante na
história do ensino na capital federal. Nesse sentido, reconstruir a história da
própria escola, ressignificá-la como forma de tecer os diferentes olhares e
leituras das e dos estudantes.
Ano passado, apesar de projetar trabalhar
com um livro (como havia ocorrido em 2018 no CED 308 com a obra Percy Jackson e
o Ladrão de Raios), a verdade é que passei o primeiro semestre correndo e
deprimido com a questão da militarização. Eu até cheguei a conversar com as
professoras de português, mas não corri atrás como deveria para que
acontecesse. Esse ano pretendo retomar essa dimensão do trabalho, que amplia
muito o reverberar das possibilidades do trabalho. Não conheci a biblioteca
ainda no entanto.
Sigo sendo um entusiasta do 6º ano e
confesso que tô até um pouco triste de que serão apenas 4 turmas. Mas estou
mais feliz por poder trabalhar com o 6º ano novamente. Em 2018, escrevi um
texto sobre isso, além de sempre lembrar que 6º ano foi um dos
recortes da minha dissertação
de mestrado. Agora já são 8 anos de experiência (10 turmas de 6º ano em
2010, 10 turmas em 2011, 7 turmas em 2012, 6 turmas em 2013, 7 turmas em 2014,
9 turmas em 2015, 10 turmas em 2018 e 10 turmas em 2019), multiplicados pelo
trabalho em três ambientes escolares. Os motivos de minha predileção são
muitos: é o primeiro momento em que os educandos tem contato com um professor
formado em história; marca a passagem dos anos iniciais pros finais do ensino
fundamental, com mais disciplinas, professores, obrigações; tem início a
consolidação de conceitos científicos dos educandos, em articulação com suas
concepções espontâneas (na ótica de Vygotski); até mesmo a
chamada pré-adolescência desse fim de infância é interessante.
Preciso destacar que, apesar de todos os
pesares, trabalhar em outra escola, o CEF 113, após 8 anos no CED 308, permitiu
várias problematizações de minha pratica e de meu ambiente de trabalho. Mesmo
tendo passado dois anos de licença visitando a escola, em 2018, eu retornei
para a mesma escola e para a mesma equipe. Voltei para transformar as coisas,
mas nunca deixei de estar inserido nas relações e tensões do ambiente escolar.
Nesse sentido, ano passado reconfigurou e redimensionou muito do meu trabalho
como pontuarei mais para frente.
A ideia de concepções espontâneas continua
sendo meu pontapé inicial. Normalmente, todos os livros didáticos de história
iniciam suas coleções de história dos anos finais do ensino fundamental com um
capítulo ou com uma apresentação sobre o que é história, alguns conceitos
operacionais como tempo, sociedade, cultura e logo passam para o que denominam
de "pré-história". Existem dois graves problemas aqui. O
primeiro é apartar conceitos e conteúdo, isolando os primeiros como ferramentas
ideais para o desenvolvimento do conteúdo, ou seja, realça-se o conteudismo em
detrimento do desenvolvimento teórico e crítico das educandas e educandos.
Os conceitos devem ser operacionalizados
no trato com os conteúdos na minha opinião. Você pode discutir a história como
discurso, como prática, como operação, como lente, como sentido ou qualquer
outro regime que lhe interessar. Pensar o que é a história, o que é tempo deve
ser encarado como pensar o que é contar uma história, fazer uma história,
manipular uma história, dissecar uma história, acreditar em quantas histórias
se queira.
Não se costuma ensinar a pensar
historicamente... se ensina uma certa história. Um desdobramento disso é a
ilusão de não se estar afirmando um modelo de história nesses conteúdos
ensinados, como se o conteúdo tivesse um valor intrínseco, essencial e
inescapável. Enquanto isso, esse modelo é afirmado e reafirmado por esse silêncio
teórico-metodológico. Em tempos de vigilância intolerante, como da Escola
"Sem Partido" e da militarização, me parece mais importante ainda
reafirmar o caráter inescapavelmente ideológico de toda e qualquer prática de
ensino-aprendizagem. Ao mesmo tempo, é fundamental instrumentalizar educandas e
educandos, bem como dialogar com suas táticas e estratégias de estar no mundo.
O segundo problema é deixar de lado,
ignorar ou até mesmo atropelar as concepções espontâneas que estudantes já
trazem consigo de uma longa vivência pré-6º ano. Não só a escola já vinha
envolvendo-os em um entendimento social e pedagógico de tempo, como as
incontáveis experiências para além dos muros da escola também já deixaram suas
marcas em seus horizontes de expectativa. Viver e pensar a história chega
muitos antes da disciplina história e de seus disciplinadores.
É importante dialogar sobre os fundamentos
teóricos e metodológicos da história com os educandos, assim como valorizar o
espaço de suas experiências na construção de possíveis entendimentos da
historiografia. Para isso, desenvolvo meu trabalho do 1º BIMESTRE todo
concentrado na discussão de O QUE PODEM SER AS HISTÓRIAS.
A discussão tem início com os conceitos
que estudantes tem de história. Elas e eles são convidados a contarem
histórias. Só então apresento o conceito de alguns dicionários sobre o que é
história e, finalmente, o meu próprio entendimento. Esse debate integra-se às
noções de biografia e autobiografias, onde as educandas e educandos são
instigados a pensarem suas próprias histórias de vida e de outras pessoas, não
como simples coerências lineares, mas como possibilidades de se (re)pensar
enquanto sujeitos. Mesmo que os estudantes cheguem depois, faltem as aulas,
esse primeiro passo precisa ser dado.
Manterei meu processo de AVALIAÇÃO
DIAGNÓSTICA. Essa avaliação se consolidou nos últimos anos como minha
verdadeira estratégia avaliativa, mantendo a avaliação tradicional por notas
apenas por demanda do sistema e de seus agentes (estudantes, pais, professores e
direção). Devo muito dessa construção aos ciclos de aprendizagem. Todo o tempo,
com base em tudo que nos relaciona, há avaliação entre os envolvidos pelo
processo de ensino-aprendizagem. Aos professores compete estruturar o conjunto
de suas avaliações em ferramentas que permitam o desenvolvimento das alunas e
alunos. A avaliação diagnóstica realizada por mim, ao invés de respeitar uma
hierarquia simples e linear, procura estabelecer certos perfis que auxiliem na
compreensão e transformação dos sujeitos. São 5 perfis, 2 dos quais tem
subdivisões. As estudantes são classificadas em:
3: Respondem sem dificuldades às demandas
escolares;
2+: Apresentam poucas dificuldades
cognitivas (leitura, escrita, coerência textual), de autonomia (realização de
tarefas, presença, independência, participação), estruturação do raciocínio
lógico, disciplinares (repetência, suspensões) ou na convivência social
(amizades, coleguismo, empatia);
2: Apresentam dificuldades cognitivas
(leitura, escrita, coerência textual), de autonomia (realização de tarefas,
presença, independência, participação), estruturação do raciocínio lógico,
disciplinares (repetência, suspensões) ou na convivência social (amizades,
coleguismo, empatia);
2-: Apresentam sérias dificuldades
cognitivas (leitura, escrita, coerência textual), de autonomia (realização de
tarefas, presença, independência, participação), estruturação do raciocínio
lógico, disciplinares (repetência, suspensões) ou na convivência social
(amizades, coleguismo, empatia);
1: Não respondem de forma alguma às
demandas escolares;
F: Não são presentes de maneira suficiente
no ambiente escolar.
Na verdades, todas as avaliações são só
parte da avaliação diagnóstica, que se estende aos exercícios, conversas,
convivência. A nota é uma representação limitada do diagnóstico e um componente
burocrático que devia ser devolvido ao seu pequeno papel. Todas as notas
apresentadas a alunas e alunos é mediada pelo prisma da avaliação diagnóstica,
que está ininterruptamente sendo reconstruída. Acredito que sem a necessidade
da afirmação numérica da nota todo o tempo por se tratar do projeto passará por
outra forma de lidar com estratégias e demandas das alunas e alunos.
Em conjunto com o debate sobre documentos
históricos, a relação entre a pesquisa e a narração sobre o passado, o trabalho
bimestral dos estudantes é escrever a biografia de uma de suas avós ou avôs.
Para tanto, eles devem realizar entrevistas de acordo com um roteiro
previamente tratado em sala. Essas informações serão articuladas às minhas
reflexões do doutorado sobre a história da cidade, servindo de fundamento para
articular a própria experiência das estudantes e de suas famílias à história de
Brasília, do DF e de seu entorno.
Ao invés de uma periferia que era o centro
do universo delas e deles, como eu trabalhava no Recanto, acredito que a imagem
da teia ou da colcha representem melhor a proposta do meu trabalho esse ano.
Buscarei manter o diálogo de uma história
pessoal, familiar e local com a discussão das percepções do tempo, os
instrumentos culturais para marcar a passagem do tempo, os ciclos e as
linearidades, o tempo histórico, tradição e ruptura. Atentando para a
diversidade das culturas em seus entendimentos e expressões do tempo, entender
o nosso tempo e o tempo do outro. Isso passa por uma aula bastante lúdica com
vídeos da internet sobre o universo e as estrelas (incluindo trechos da nova
versão da série Cosmos).
Outra questão importante é que as aluna e
alunos passarão 10 horas por dia na escola. Tudo deve ser realizado no tempo em
que estão na escola, pois já é uma rotina exaustiva na minha opinião. A
produção dos trabalhos e das atividades, que antes eu fazia quase sempre no
espaço da aula, agora terão de ser totalmente nas aulas. A exceção será o
trabalho, que servirá ainda mais como momento de contato com a história e a
memória familiar, como multiplicador de possibilidades para construção de
subjetividades.
No 2º BIMESTRE, haverá uma
mudança mais significativa. Uma vez que a costura com a história de Brasília se
dará mais cedo, pretendo incluir o passeio para quadra modelo, a 308 sul
(também pela 108 sul, onde eu moro), que eu consegui realizar em 2018, mas não
em 2019. Para além dessa história impessoal da capital federal, ou da
centralidade de figuras como JK, pretendo articular a memória e a história de
pessoas que viveram e trabalharam no e o CASEB ao longo desse 60 anos. Isso irá
dialogar com as festividades marcadas para a semana do dia 16 de maio. Isso irá
diminuir significativamente o tempo para o meu trabalho com os ancestrais do
ser humano.
Irei manter a discussão, ainda que de
forma acelerada, para o 6º ano. Centrarei o debate nas ideias de evolução,
criação, origem, para que as alunas e alunos sejam instigados a pensar sobre as
convergências e divergências, heranças e perdas do que entendemos por ser
humano. A crítica e abandono da noção de "pré-história", esse
período histórico é abordado como teatro do que vemos como fundamental em nossa
sociedade: o trabalho, a propriedade, o artesanato, a agricultura, o comércio,
a metalurgia, a escrita.
Trabalho com o filme A Guerra do Fogo para
desconstruir e reconstruir as possibilidades do imaginário sobre esse período.
Além disso, costumo trazer matérias de jornal sobre o chamados "ancestrais
do homem moderno", bem como acrescento o material da minhas viagens à
África do Sul em 2013 e 2016, região onde estão vários dos mais antigos fósseis
humanos, em especial, o australopithecus
sediba, descoberto em 2009. Viajar é preciso.
Para o 7º devo passar apenas a aula
expositiva das minhas viagens para a África do Sul e o filme. Talvez o tempo
economizado com avaliações permita me estender mais.
No 3º BIMESTRE, seguirei
tratando de 4 civilizações antigas, mas não em concordância com a visão
tradicional da evolução etapista da formação da sociedade ocidental. Eu
trabalho com a Mesopotâmia, o Egito Antigo, a Índia Antiga e a China Antiga
através de um mito de cada um desses povos. A ideia é construir nossa própria
leitura desses povos, enquanto formas culturais diversas de desenvolvimento
humano na margem de grandes rios como Tigres e Eufrates, Nilo, Indo e Amarelo.
Não se trata de encontrar uma pretensa totalidade
politico-econômica-sócio-cultural em lenta formação. Em 2018, combinei cópia e
textos impressos de modo a ter espaço para exercícios de leitura, de
interpretação dos textos, que envolvem a discussão dos conceitos de mito e
história, mas também de encenações divertidas. Trabalho com o mito de
Gilgamesh, o mito de Ísis e Osíris, o mito de Indra e o mito de Shun.
Além dos mitos, continuando a trabalhar
com biografias de sujeitos interessantes, que tensionam e conjugam
possibilidades para os sujeitos, estendemos a discussão para os sujeitos:
biografados e estudantes. As biografias selecionadas são da sacerdotisa acádia
Enheduana, do imperador babilônico Hamurabi, do escriba egípcio Khéti, de Buda
e do imperador chinês Qin Shi-Huang. Também pensamos sobre a cidade em cada uma
dessas civilizações. Isso objetiva pensar as próprias possibilidades da
espacialidade das cidades, relacionando-as com o projeto de construção de
Brasília e das cidades-satélites e do entorno.
Penso em usar as aulas a mais para incluir
outros povos, especialmente no 7º ano (que já trará concepções prévias sobre a
Mesopotâmia e o Egito principalmente) inclusive diversificando mais as
possibilidades em que cada estudante busque uma civilização de seu interesse.
Além do trabalho de criar seu próprio mito, ele estudar e conhecer uma ou mais
civilizações que despertem seu interesse, pluralizando mais o olhar sobre as
possibilidades das culturas humanas.
Finalmente, no 4º BIMESTRE,
seguirei o trabalho com mitos de civilizações, que dialogam com as reflexões
sobre suas culturas, cidades e relações com o tempo. Através do mito da Guerra
de Tróia (Ilíada de
Homero), não só podemos construir uma leitura da civilização grega, como
explorar a importância desse mito e da cultura grega para nosso tempo. Cada
estudante fica responsável por uma personagem do mito, que será interpretada
por ela ou ele durante o estudo do mito. O teatro (ou rpg) do mito é o grande
evento do ano. Os estudantes ficam realmente alucinados, já me esperando com
tudo pronto pra ação começar. Valorizam ao máximo seus papéis.
Nos últimos dois anos, especialmente, o
resultado tem sido incrível. É minha maior alegria no ano. Farei um teatro para
o 6º e um para o 7º.
Além disso, ao fim das encenações, cabe a
eles contarem o que aconteceu com o personagem depois da guerra (quem disse que
a morte é um fim?), cada um tendo sua própria Odisseia.
Por fim, fechamos os trabalhos com a Eneida de Virgílio e
a valorização da cultura e da espacialidade das cidades gregas no mundo romano.
Acredito que poderei finalmente dar uma verdadeira atenção ao mundo romano, que
acabava sendo escanteado pelo atropelo do fim de ano. Especialmente com o 7º
ano poderei pensar as possibilidades da Idade Média ocidental (e outras Idades
Médias), da própria utilidade de tal conceito (que inicia um pouco minha
discussão sobre terra e propriedade, eixos temáticos com os quais me envolvi
quando trabalhei com 8º ano).
Desejem-me sorte. E vamos à luta.
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