quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Plano de aula para o 6o ano: tempos, mitos e culturas


Salve salve pessoas, pois que o ano enfim começa e a Semana Pedagógica trás esperança e nuvens.
Mas vamos ao que interessa. Meus eixos temáticos pro 6o ano são tempos, mitos e culturas. Essas temáticas seguem a proposta da coleção História Temática da Conceição Cabrini e outros que uso e já citei aqui no blog.
Eu adoro dar aula pro 6o ano, me preparei muito bem pra isso durante um bom tempo, sendo um dos recortes da minha dissertação de mestrado (http://repositorio.bce.unb.br/handle/10482/1268). Os motivos de minha predileção são muitos: é o primeiro momento em que os alunos tem contato com um professor formado em história; marca a passagem dos anos iniciais pros finais do ensino fundamental, com mais disciplinas, professores, obrigações; tem início a consolidação de conceitos científicos dos educandos, em articulação com suas concepções espontâneas (na ótica de Vygotski); até mesmo a chamada pré-adolescência desse fim de infância é interessante.
A ideia de concepções espontâneas é meu ponta pé inicial. Normalmente, todos os livros didáticos de história iniciam suas coleções de história dos anos finais do ensino fundamental com um capítulo ou com uma apresentação sobre o que é história, alguns conceitos operacionais como tempo, sociedade, cultura e logo passa para o que denominam de "pré-história". Existem dois graves problemas aqui. O primeiro é apartar conceitos e conteúdo, isolando os primeiros como ferramentas ideais para o desenvolvimento do conteúdo, ou seja, realça-se o conteudismo em detrimento do desenvolvimento teórico e crítico dos educandos. Não se ensina a pensar historicamente.. se ensina uma certa história. Um desdobramento disso é a ilusão de não se estar afirmando um modelo de história nesses conteúdos ensinados, como se o conteúdo tivesse um valor intrínseco, essencial e inescapável. Enquanto isso, esse modelo é afirmado e reafirmado por esse silêncio teórico-metodológico.
O segundo problema é deixar de lado, ignorar ou até mesmo atropelar as concepções espontâneas que os estudantes já trazem consigo de uma longa vivência pré-6o ano. Não só a escola já vinha envolvendo-os em um entendimento social e pedagógico de tempo, como as incontáveis experiências para além dos muros da escola também já deixaram suas marcas em seus horizontes de expectativa. Viver e pensar a história chega muitos antes da disciplina história e de seus disciplinadores.
É importante dialogar sobre os fundamentos teóricos e metodológicos da história com os educandos, assim como valorizar o espaço de suas experiências na construção de possíveis entendimentos da historiografia. Para isso, desenvolvo meu trabalho do 1o bimestre todo concentrado na discussão de o que é história. Eu inicio com a discussão do conceito que os estudantes tem de história, apresento o conceito de alguns dicionários sobre o que é história e finalmente o meu próprio entendimento. Esse debate integra-se às noções de biografia e autobiografias, onde os educandos são instigados a pensarem suas próprias histórias de vida e de outras pessoas.
Em conjunto com a discussão sobre documentos históricos, a relação entre a pesquisa e a narração sobre o passado, o trabalho bimestral dos estudantes é escrever a biografia de seus avós. Para tanto, eles devem realizar entrevistas de acordo com um roteiro previamente tratado em sala. Posteriormente, os trabalhos são corrigidos e discutidos com todo o grupo, de modo que cada turma produz uma síntese das informações baseada nos dados coletados de cada turma e do conjunto das turmas. Assim, além de se articular a experiência pessoal e familiar dos estudantes, constrói-se uma leitura da história local, uma representação da comunidade da qual eles fazem parte. Ao longo desses 4 anos em que desenvolvo esse trabalho, isso me permitiu articular histórias de vida com a história do Recanto das Emas (região administrativa onde trabalho), partindo num segundo momento para a história de Brasília (o que culmina com a data do aniversário de Brasília no final do 1o bimestre e início do 2o bimestre). Ao invés de fazer dos educandos os receptáculos pretensamente vazios de um saber pronto conhecido por mim, minha proposta é construir com eles uma história deles mesmos, de suas famílias, de sua cidade.
Esse projeto além de me trazer enorme satisfação também é utilizado por mim como pesquisa para o doutorado. Pesquisa e ensino num romance astral. Ainda que meu projeto de pesquisa não tenha sido aceito pela seleção do programa de pós-graduação em história da Universidade de Brasília, já escrevi um artigo que será publicado em breve pela revista Tempos de História e que logo disponibilizarei aqui.
Integrada a essa síntese, é desenvolvida a discussão das percepções do tempo, os instrumentos culturais para marcar a passagem do tempo, os ciclos e as linearidades, o tempo histórico, tradição e ruptura. Atentando para a diversidade das culturas em seus entendimentos e expressões do tempo, entender o nosso tempo e o tempo do outro.
No 2o bimestre, articulado com os conceitos tratados desde o começo do ano, nós passamos para a discussão sobre a formação do universo, dos astros e, principalmente, da vida. Debatendo as próprias ideias de evolução, criação, origem, os alunos são instigados a pensar sobre as convergências e divergências, heranças e perdas do que entendemos por ser humano. Rompendo com uma noção de "pré-história", esse período histórico é abordado como teatro do que vemos como fundamental em nossa sociedade: o trabalho, a propriedade, o artesanato, a agricultura, o comércio, a metalurgia, a escrita.
O trabalho bimestral é realizado em grupo, com várias matérias jornalísticas sobre ancestrais do homo sapiens sapiens, expressando uma diversidade de opiniões, conceitos, leituras, entendimentos e definições do processo evolutivo do chamado homem moderno.
No 3o bimestre, eu passo a tratar de 4 civilizações antigas, mas não em concordância com a visão
tradicional da evolução etapista da formação da sociedade ocidental. Eu trabalho com a Mesopotâmia, o Egito Antigo, a Índia Antiga e a China Antiga através de um mito de cada povo. A ideia é construir nossa própria leitura desses povos, enquanto formas culturais diversas de desenvolvimento humano na margem de grandes rios como Tigres e Eufrates, Nilo, Ganges e Amarelo. Não se trata de encontrar uma pretensa totalidade politico-econômica-sócio-cultural.
O trabalho para avaliação consiste em que cada estudante crie um povo e um mito. Através de alguns modos de operação como divisão social, rio, divindades, ele deve trabalhar com os conceitos apresentados anteriormente. A criatividade é incentivada.
No 4o bimestre, dou continuidade ao trabalho com mitos e civilizações. Através do mito da Guerra de Tróia (Ilíada de Homero), não só podemos construir uma leitura da civilização grega, como explorar a importância desse mito e da cultura grega para nosso tempo. Cada aluno fica responsável por um personagem do mito, que ele interpreta durante o estudo do mito. Além disso, ao fim das encenações, cabe a eles contarem o que aconteceu com o personagem depois da guerra (quem disse que a morte é um fim?), cada um tendo sua própria Odisseia.
Por fim, fechamos com a Eneida de Virgílio e a valorização da cultura grega no mundo romano.
Dá trabalho, mas modéstia a parte, é muito bom.

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