sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Plano de aula 6º ano (2019): tempos e cidades, mitos e culturas


Salve salve pessoas, com essa loucura da militarização da minha falecida escola, nunca me atrasei tanto no planejamento das aulas (pelo menos colocar no papel). Só hoje descobri minha nova escola e minhas turmas. Serão 10 TURMAS de 6º ANO!!! Pense em um sonhador feliz. Devo agradecimento especial à professora Líbia, que já tinha escolhido essa carga e aceitou trocar comigo (ela está saindo de licença pra fazer o mestrado).
Conheci a escola hoje e fiquei impressionado. Salas temáticas, laboratório, sala de vídeo, tudo muito limpo e organizado. A partir de segunda saberei de tudo com mais concretude referencial. A escola é maior, tem quatro professores de história (como a Líbia sairá, serão três professores de contrato temporário, dois dos quais sempre trabalham lá na escola), além do coordenador e do vice-diretor que também são de história. Também vou ter o privilégio de trabalhar de novo com a Laryssa, professora de artes, que faz um trabalho muito sensacional.
Enfim, terei novamente 10 turmas de 6º ano, com a diferença que a escola tem doze turmas (duas das quais estarão com outro professor). Quem me conhece sabe da minha paixão pelo 6º ano. Pela primeira vez, vou trabalhar com toda a carga no período da tarde. Ano passado já passei parte da minha carga à tarde e senti na pele como é mais difícil por conta do calor e da agitação das estudantes e, principalmente, dos estudantes. Trabalhando dentro do modelo de ciclos de aprendizagem, o CEF 113 tem 6º e 7º anos à tarde, além de 7º, 8º e 9º pela manhã.  
Os eixos temáticos pro 6º ano são tempos e cidades, mitos e culturas. Como disse ano passado, a experiência do doutorado trouxe a valorização do tema da cidade, que acrescentei aos três que já vem desde 2010. Na verdade, percebo que conferi visibilidade e ampliei as possibilidades de um tema que sempre perpassou meu processo de ensino-aprendizagem. Agora em 2019, apesar das porradas que o sistema me deu, tenho como base a experiência de 2018 para potencializar a viabilidade do meu planejamento. Percebi de que modo as reflexões e análises oriundas da construção da minha tese sobre o Recanto das Emas e suas moradoras e moradores dialogou com os interesses e necessidades das minhas educandas e educandos. Ao esmiuçar os bimestres, darei detalhes mais especifícos sob como se dá esse fundamento de construção teórico a partir de minha prática. Mas posso afirmar desde já que realmente se ampliou o espaço para a história local através de suas articulações com as memórias de quem mora nesse espaço e o satura de sentidos.
Minha outra pretensão de "integrar a experiência letiva a um projeto mais amplo de história e memória do Recanto das Emas em conjunto com a Regional de Ensino e demais escolas públicas da cidade (mas isso será assunto de outra postagem)" (palavras que usei ano passado) não foi além de um projeto e conversas com pessoas da regional. Creio que a agitaçção desse ano tenha deixado todos os meus projetos no modo de aguardo.
Ano passado, trabalhei a leitura de um livro para o bimestre, junto com minha colega de português, a Dani. Nós escolhemos Percy Jackson e o Ladrão de Raios, mas não tenho apego a essa obra especificamente. Pretendo conversar com minhas novas colegas para definir uma obra de interesse comum. 
Sempre surpreende, mas eu adoro dar aula pro 6º ano. Ano passado até escrevi um texto sobre isso, Eu me preparei muito bem pra isso durante um bom tempo, sendo um dos recortes da minha dissertação de mestrado. Além disso, já são 7 anos de experiência (10 turmas de 6º ano em 2010, 10 turmas em 2011, 7 turmas em 2012, 6 turmas em 2013, 7 turmas em 2014, 9 turmas em 2015 e 10 turmas em 2018). Os motivos de minha predileção são muitos: é o primeiro momento em que os educandos tem contato com um professor formado em história; marca a passagem dos anos iniciais pros finais do ensino fundamental, com mais disciplinas, professores, obrigações; tem início a consolidação de conceitos científicos dos educandos, em articulação com suas concepções espontâneas (na ótica de Vygotski); até mesmo a chamada pré-adolescência desse fim de infância é interessante.
A ideia de concepções espontâneas é meu pontapé inicial. Normalmente, todos os livros didáticos de história iniciam suas coleções de história dos anos finais do ensino fundamental com um capítulo ou com uma apresentação sobre o que é história, alguns conceitos operacionais como tempo, sociedade, cultura e logo passam para o que denominam de "pré-história". Existem dois graves problemas aqui. O primeiro é apartar conceitos e conteúdo, isolando os primeiros como ferramentas ideais para o desenvolvimento do conteúdo, ou seja, realça-se o conteudismo em detrimento do desenvolvimento teórico e crítico das educandas e educandos.
Os conceitos devem ser operacionalizados no trato com os conteúdos na minha opinião. Você pode discutir a história como discurso, como prática, como operação, como lente, como sentido ou qualquer outro regime que lhe interessar. Pensar o que é a história, o que é tempo deve ser encarado como pensar o que é contar uma história, fazer uma história, manipular uma história, dissecar uma história, acreditar em quantas histórias se queira.
Não se costuma ensinar a pensar historicamente... se ensina uma certa história. Um desdobramento disso é a ilusão de não se estar afirmando um modelo de história nesses conteúdos ensinados, como se o conteúdo tivesse um valor intrínseco, essencial e inescapável. Enquanto isso, esse modelo é afirmado e reafirmado por esse silêncio teórico-metodológico. Em tempos de vigilância intolerante, como da Escola "Sem Partido" e da militarização, me parece mais importante ainda reafirmar o caráter inescapavelmente ideológico de toda e qualquer prática de ensino-aprendizagem. Ao mesmo tempo, é fundamental instrumentalizar educandas e educandos, bem como dialogar com suas táticas e estratégias de estar no mundo.
O segundo problema é deixar de lado, ignorar ou até mesmo atropelar as concepções espontâneas que estudantes já trazem consigo de uma longa vivência pré-6º ano. Não só a escola já vinha envolvendo-os em um entendimento social e pedagógico de tempo, como as incontáveis experiências para além dos muros da escola também já deixaram suas marcas em seus horizontes de expectativa. Viver e pensar a história chega muitos antes da disciplina história e de seus disciplinadores.
É importante dialogar sobre os fundamentos teóricos e metodológicos da história com os educandos, assim como valorizar o espaço de suas experiências na construção de possíveis entendimentos da historiografia. Para isso, desenvolvo meu trabalho do 1º BIMESTRE todo concentrado na discussão de O QUE PODEM SER AS HISTÓRIAS.
A discussão tem início com os conceitos que estudantes tem de história. Elas e eles são convidados a contarem histórias. Só então apresento o conceito de alguns dicionários sobre o que é história e, finalmente, o meu próprio entendimento. Esse debate integra-se às noções de biografia e autobiografias, onde as educandas e educandos são instigados a pensarem suas próprias histórias de vida e de outras pessoas, não como simples coerências lineares, mas como possibilidades de se (re)pensar enquanto sujeitos. Mesmo que os estudantes cheguem depois, faltem as aulas, esse primeiro passo precisa ser dado.
Uma ideia que apliquei ano passado e revolucionou minha prática foi a dos CAMINHOS AVALIATIVOS. Ao longo do ano se mostrou tão fecunda que acabou por se tornar mais ampla do que eu esperava. No início, existem dois caminhos avaliativos: um feito de prova discursiva + trabalho bimestral de biografia dos avós; outro de fichas de leituras de biografias e autobiografias + trabalho bimestral.  O foco não está nas notas (embora a cultura de notas das estudantes e da própria escola não possa ser ignorada), mas acredito que é possível oferecer opções que permitam a quem está sendo avaliado apresentar melhor suas potencialidades. Meu interesse é de pluralizar as possibilidades de discussão, tornando alunas e alunos mais conscientes do processo avaliativo. Entendo que isso contribui para desvincula-las do peso das notas e perceber a importância de aprender.
Outra questão importante é a AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA. Essa avaliação é tributária da minha imersão na lógica dos ciclos de aprendizagem. Todo o tempo, com base em tudo que nos relaciona, há avaliação entre os envolvidos pelo processo de ensino-aprendizagem. Aos professores compete estruturar o conjunto de suas avaliações em ferramentas que permitam o desenvolvimento das alunas e alunos. A avaliação diagnóstica realizada por mim, ao invés de respeitar uma hierarquia simples e linear, procura estabelecer certos perfis que auxiliem na compreensão e transformação dos sujeitos. São 5 perfis, 2 dos quais tem subdivisões. As estudantes são classificadas em:
3+: Possuem potencial extraordinário a ser valorizado, pois já possuem todas as necessidades básicas para o pensamento crítico estruturadas;
3: Respondem sem dificuldades às demandas escolares;
2+: Apresentam poucas dificuldades cognitivas (leitura, escrita, coerência textual), de autonomia (realização de tarefas, presença, independência, participação), estruturação do raciocínio lógico, disciplinares (repetência, suspensões) ou na convivência social (amizades, coleguismo, empatia);
2: Apresentam dificuldades cognitivas (leitura, escrita, coerência textual), de autonomia (realização de tarefas, presença, independência, participação), estruturação do raciocínio lógico, disciplinares (repetência, suspensões) ou na convivência social (amizades, coleguismo, empatia);
2-: Apresentam sérias dificuldades cognitivas (leitura, escrita, coerência textual), de autonomia (realização de tarefas, presença, independência, participação), estruturação do raciocínio lógico, disciplinares (repetência, suspensões) ou na convivência social (amizades, coleguismo, empatia);
1: Não respondem de forma alguma às demandas escolares;
F: Não são presentes de maneira suficiente no ambiente escolar. 
Na verdades, todas as avaliações são só parte da avaliação diagnóstica, que se estende aos exercícios, conversas, convivência. A nota é uma representação limitada do diagnóstico e um componente burocrático que devia ser devolvido ao seu pequeno papel. Todas as notas apresentadas a alunas e alunos é mediada pelo prisma da avaliação diagnóstica, que está ininterruptamente sendo reconstruída.
Em conjunto com o debate sobre documentos históricos, a relação entre a pesquisa e a narração sobre o passado, o trabalho bimestral dos estudantes é escrever a biografia de uma de suas avós ou avôs. Para tanto, eles devem realizar entrevistas de acordo com um roteiro previamente tratado em sala. Essas informações serão articuladas às minhas reflexões do doutorado sobre a história da cidade, servindo de fundamento para articular a própria experiência das estudantes e de suas famílias ao Recanto das Emas enquanto espaço para viver.
A biografia produzida, no entanto, não será a última, pois prosseguimos com um processo de busca e incentivo ao diálogo com outras memórias além das familiares, envolvendo vizinhos, comerciantes, funcionários da escola e outros membros da comunidade. Isso se estende pelo bimestre seguinte através de biografias que vão sendo analisadas, de modo a instigar-lhes a curiosidade para que busquem ampliar seus próprios entendimentos da cidade onde vivem e das pessoas com que convivem.
Integrada à produção das biografias e fichas biográficas, que compõem os mosaicos da história local, também há a discussão das percepções do tempo, os instrumentos culturais para marcar a passagem do tempo, os ciclos e as linearidades, o tempo histórico, tradição e ruptura. Atentando para a diversidade das culturas em seus entendimentos e expressões do tempo, entender o nosso tempo e o tempo do outro. Isso passa por uma aula bastante lúdica com vídeos da internet sobre o universo e as estrelas (incluindo trechos da nova versão da série Cosmos).

No 2º BIMESTRE, ao contrário do que costumava fazer, invisto num maior desenvolvimento das questões da história local. Para tanto, a articulação das histórias do Recanto das Emas e suas moradoras às histórias de Brasília transcorrerá não mais ao fim do bimestre anterior, mas ao longo deste. Não só buscando uma história impessoal da capital federal, mas sim percebendo como o projeto modernista de Brasília envolveu e foi envolvido por diversas histórias de vida. Tentarei incluir novamente um passeio à quadra modelo da 308 sul (já mencionei lá na escola), que foi muito bem sucedido ano passado. Tentarei efetivar também o passeio dentro do Recanto das Emas para o Céu das Artes (ano passado cheguei a entregar os bilhetes, mas tive que cancelar por duas vezes por mudanças no calendário). A ideia é refletir sobre as experiências das estudantes sobre sua relação com o espaço da cidade do Recanto das Emas.
Paralela a esta, haverá a discussão sobre a formação do universo, dos astros e, principalmente, da vida. Debatendo as próprias ideias de evolução, criação, origem, as alunas e alunos serão instigados a pensar sobre as convergências e divergências, heranças e perdas do que entendemos por ser humano. Rompendo com uma noção de "pré-história", esse período histórico é abordado como teatro do que vemos como fundamental em nossa sociedade: o trabalho, a propriedade, o artesanato, a agricultura, o comércio, a metalurgia, a escrita.
Trabalho com o filme A Guerra do Fogo para desconstruir e reconstruir as possibilidades do imaginário sobre esse período. Além disso, costumo trazer matérias de jornal sobre o chamados "ancestrais do homem moderno", bem como acrescento o material da minhas viagens à África do Sul em 2013 e 2016, região onde estão vários dos mais antigos fósseis humanos, em especial, o australopithecus sediba, descoberto em 2009. Viajar é preciso.
Nesse bimestre, deixei de lado o antigo trabalho em grupo que costumava passar e dando continuidade à ideia de caminhos avaliativos e proponho 3 possibilidades: provão junto com a feira de ciências, prova discursiva, fichas de biográficas. Dentre essas três opções, podem optar por quaisquer duas.

No 3º BIMESTRE, seguirei tratando de 4 civilizações antigas, mas não em concordância com a visão tradicional da evolução etapista da formação da sociedade ocidental. Eu trabalho com a Mesopotâmia, o Egito Antigo, a Índia Antiga e a China Antiga através de um mito de cada um desses povos. A ideia é construir nossa própria leitura desses povos, enquanto formas culturais diversas de desenvolvimento humano na margem de grandes rios como Tigres e Eufrates, Nilo, Indo e Amarelo. Não se trata de encontrar uma pretensa totalidade politico-econômica-sócio-cultural em lenta formação. Em 2018, combinei cópia e textos impressos de modo a ter espaço para exercícios de leitura, de interpretação dos textos, que envolvem a discussão dos conceitos de mito e história, mas também de encenações divertidas. Trabalho com o mito de Gilgamesh, o mito de Ísis e Osíris, o mito de Indra e o mito de Shun.
Além dos mitos, continuando a trabalhar com biografias de sujeitos interessantes, que tensionam e conjugam possibilidades para os sujeitos, estendemos a discussão para os sujeitos: biografados e estudantes. As biografias selecionadas são da sacerdotisa acádia Enheduana, do imperador babilônico Hamurabi, do escriba egípcio Khéti, de Buda e do imperador chinês Qin Shi-Huang. Também pensamos sobre a cidade em cada uma dessas civilizações. Isso objetiva pensar as próprias possibilidades da espacialidade das cidades, relacionando-as com o projeto de construção de Brasília e com o próprio Recanto das Emas.
Novamente ampliando os caminhos avaliativos, são 4 possibilidades: prova discursiva, criação de uma civilização e um mito a serem inventados por cada estudante, encenação teatral, fichas biográficas. Através de alguns modos de operação na representação de uma civilização como divisão social, rio, divindades e cidade, a educanda deve trabalhar com conceitos apresentados anteriormente, mas principalmente ser criativo.

Finalmente, no 4º BIMESTRE, dou continuidade ao trabalho com mitos de civilizações, que dialogam com as reflexões sobre suas culturas, cidades e relações com o tempo. Através do mito da Guerra de Tróia (Ilíada de Homero), não só podemos construir uma leitura da civilização grega, como explorar a importância desse mito e da cultura grega para nosso tempo. Cada estudante fica responsável por uma personagem do mito, que será interpretada por ela ou ele durante o estudo do mito. O teatro (ou rpg) do mito é o grande evento do ano. Os estudantes ficam realmente alucinados, já me esperando com tudo pronto pra ação começar. Valorizam ao máximo seus papéis. Em 2014, grande apresentação coletiva ao fim do ano letivo foi um sucesso, mas esse ano terei de fazer duas, uma para a manhã e uma para a tarde. Dá trabalho, mas modéstia a parte, é muito bom... e está sempre melhorando. Ano passado consegui fazer dois grandes teatros na quadra, foram bem apoteóticos. Não pude editar os videos porque uns malditos militarizaram minha escola e eu tive que lutar contra isso durante as férias como você já deve saber (devo fazer em breve).
Além disso, ao fim das encenações, cabe a eles contarem o que aconteceu com o personagem depois da guerra (quem disse que a morte é um fim?), cada um tendo sua própria Odisseia.
Por fim, fechamos os trabalhos com a Eneida de Virgílio e a valorização da cultura e da espacialidade das cidades gregas no mundo romano.
Dessa forma, para os caminhos avaliativos, teremos quatro opções: prova discursiva, odisseia de sua ou seu personagem, leitura de um livro e debate oral, teatro.

Ainda preciso me familiarizar mais com a escola

https://youtu.be/GlFa2l7oFhk