segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Plano de aula 6º e 7º ano (2020): tempos e cidades, mitos e culturas


Salve salve pessoas, segue a vida de quem perdeu sua escola pra militarização e agora vai buscando novos espaços de atuação. Esse ano também estou atrasado com o planejamento de aula (pelo menos colocar no papel). 
Hoje comecei a lecionar no CASEB. Finalmente deu pra por os pés no chão sobre como vai ser o ano. Confesso que a semana pedagógica foi meio caótica. Seja como for, a escola funcionará para todos os alunos nos dois turnos. Uma ala da escola está em reformas. Até sexta-feira tudo indicava que o projeto do ensino integral nem começaria hoje. Mas começou.
Não sou o professor com carga de história para o 6º ano (pode chorar comigo...). AInda assim, vou trabalhar com as 4 turmas de 6º e 3 das 4 de 7º. Encontrei hoje com uma turma de 6º e uma de 7º. Com isso, terei 4 e não 3 aulas com cada turma, todas duplas. Eu estou alocado em um projeto (para não ser devolvido) chamado Formação Social e Pessoal (FSP) voltado para professores de português.
Eu já trabalho com projetos no ensino regular, o que pretendo aqui é elaborar um projeto articulado ao que é demandado na proposta inicial do projeto (ética, cidadania, cultura da paz).
Em um primeiro momento eu fiquei arrasado. Nem posso dizer que superei totalmente. Mas também estou enxergando o desafio. Eu já não trabalhava com notas e mantinha certas formalidades por exigência do sistema. A atual situação é uma oportunidade de construir um processo de ensino-aprendizagem não pela avaliação em si, mas pelo refletir e interpretar os sujeitos. Existe muita dificuldade com a implementação sempre solta e truncada do projeto da secretaria de educação, mas também pouca iniciativa afirmadora de um projeto pela própria comunidade e direção da escola. Isso significa que há muito espaço para construir algo realmente diferente e instigante.



Tanto para o 6º ano quanto para o 7º, eu pretendo manter os mesmo eixos com que sempre trabalho (uma vez que os estudantes do 7º não tiveram aula comigo no 6º): tempos e cidades, mitos e culturas. Com base no trabalho dos últimos 2 anos, a valorização do tema da cidade a partir da experiência do doutorado tornou-se fundamental para a estruturação das aulas. Porém, esse ano há um fundamental diferencial: é a primeira vez que não irei lecionar no Recanto das Emas. Sendo assim, é inescapável continuar a fazer uso de todo o conhecimento construído nos 10 anos em que atuei como professor nessa cidade, mas agora há novas possibilidades a serem trabalhadas. Com base na leitura do PPP do CASEB do ano passado, identifiquei que o CASEB possui um público majoritário de alunos de cidades-satélites e não do Plano Piloto, sendo a mais numerosa São Sebastião. Espero que as reflexões e análises oriundas da construção da minha tese sobre o Recanto das Emas e suas moradoras e moradores sigam a dialogar com os interesses e necessidades das minhas educandas e educandos, mesmo que sejam moradores de outras cidades. Hoje mesmo já encontrei duas estudantes do Recanto inclusive. 
Em certa medida, eu lidava com isso ao receber estudantes de Santo Antônio do Descoberto (que no CEF 113 chegavam a ser 20% dos estudantes). Agora, acredito que o papel de Brasília como eixo agregador das histórias de vida e urbanas será mais forte, uma vez que haverá uma pulverização maior do bordado que teceremos. Como o CASEB é uma escola que completa 60 anos e possui essa mitificação da primeira escola de Brasília, os alunos ilustres e outras representações que o destacam como importante na história do ensino na capital federal. Nesse sentido, reconstruir a história da própria escola, ressignificá-la como forma de tecer os diferentes olhares e leituras das e dos estudantes.
Ano passado, apesar de projetar trabalhar com um livro (como havia ocorrido em 2018 no CED 308 com a obra Percy Jackson e o Ladrão de Raios), a verdade é que passei o primeiro semestre correndo e deprimido com a questão da militarização. Eu até cheguei a conversar com as professoras de português, mas não corri atrás como deveria para que acontecesse. Esse ano pretendo retomar essa dimensão do trabalho, que amplia muito o reverberar das possibilidades do trabalho. Não conheci a biblioteca ainda no entanto.
Sigo sendo um entusiasta do 6º ano e confesso que tô até um pouco triste de que serão apenas 4 turmas. Mas estou mais feliz por poder trabalhar com o 6º ano novamente. Em 2018, escrevi um texto sobre isso, além de sempre lembrar que 6º ano foi um dos recortes da minha dissertação de mestrado. Agora já são 8 anos de experiência (10 turmas de 6º ano em 2010, 10 turmas em 2011, 7 turmas em 2012, 6 turmas em 2013, 7 turmas em 2014, 9 turmas em 2015, 10 turmas em 2018 e 10 turmas em 2019), multiplicados pelo trabalho em três ambientes escolares. Os motivos de minha predileção são muitos: é o primeiro momento em que os educandos tem contato com um professor formado em história; marca a passagem dos anos iniciais pros finais do ensino fundamental, com mais disciplinas, professores, obrigações; tem início a consolidação de conceitos científicos dos educandos, em articulação com suas concepções espontâneas (na ótica de Vygotski); até mesmo a chamada pré-adolescência desse fim de infância é interessante.
Preciso destacar que, apesar de todos os pesares, trabalhar em outra escola, o CEF 113, após 8 anos no CED 308, permitiu várias problematizações de minha pratica e de meu ambiente de trabalho. Mesmo tendo passado dois anos de licença visitando a escola, em 2018, eu retornei para a mesma escola e para a mesma equipe. Voltei para transformar as coisas, mas nunca deixei de estar inserido nas relações e tensões do ambiente escolar. Nesse sentido, ano passado reconfigurou e redimensionou muito do meu trabalho como pontuarei mais para frente.

A ideia de concepções espontâneas continua sendo meu pontapé inicial. Normalmente, todos os livros didáticos de história iniciam suas coleções de história dos anos finais do ensino fundamental com um capítulo ou com uma apresentação sobre o que é história, alguns conceitos operacionais como tempo, sociedade, cultura e logo passam para o que denominam de "pré-história". Existem dois graves problemas aqui. O primeiro é apartar conceitos e conteúdo, isolando os primeiros como ferramentas ideais para o desenvolvimento do conteúdo, ou seja, realça-se o conteudismo em detrimento do desenvolvimento teórico e crítico das educandas e educandos.
Os conceitos devem ser operacionalizados no trato com os conteúdos na minha opinião. Você pode discutir a história como discurso, como prática, como operação, como lente, como sentido ou qualquer outro regime que lhe interessar. Pensar o que é a história, o que é tempo deve ser encarado como pensar o que é contar uma história, fazer uma história, manipular uma história, dissecar uma história, acreditar em quantas histórias se queira.
Não se costuma ensinar a pensar historicamente... se ensina uma certa história. Um desdobramento disso é a ilusão de não se estar afirmando um modelo de história nesses conteúdos ensinados, como se o conteúdo tivesse um valor intrínseco, essencial e inescapável. Enquanto isso, esse modelo é afirmado e reafirmado por esse silêncio teórico-metodológico. Em tempos de vigilância intolerante, como da Escola "Sem Partido" e da militarização, me parece mais importante ainda reafirmar o caráter inescapavelmente ideológico de toda e qualquer prática de ensino-aprendizagem. Ao mesmo tempo, é fundamental instrumentalizar educandas e educandos, bem como dialogar com suas táticas e estratégias de estar no mundo.
O segundo problema é deixar de lado, ignorar ou até mesmo atropelar as concepções espontâneas que estudantes já trazem consigo de uma longa vivência pré-6º ano. Não só a escola já vinha envolvendo-os em um entendimento social e pedagógico de tempo, como as incontáveis experiências para além dos muros da escola também já deixaram suas marcas em seus horizontes de expectativa. Viver e pensar a história chega muitos antes da disciplina história e de seus disciplinadores.

É importante dialogar sobre os fundamentos teóricos e metodológicos da história com os educandos, assim como valorizar o espaço de suas experiências na construção de possíveis entendimentos da historiografia. Para isso, desenvolvo meu trabalho do 1º BIMESTRE todo concentrado na discussão de O QUE PODEM SER AS HISTÓRIAS.
A discussão tem início com os conceitos que estudantes tem de história. Elas e eles são convidados a contarem histórias. Só então apresento o conceito de alguns dicionários sobre o que é história e, finalmente, o meu próprio entendimento. Esse debate integra-se às noções de biografia e autobiografias, onde as educandas e educandos são instigados a pensarem suas próprias histórias de vida e de outras pessoas, não como simples coerências lineares, mas como possibilidades de se (re)pensar enquanto sujeitos. Mesmo que os estudantes cheguem depois, faltem as aulas, esse primeiro passo precisa ser dado.
Manterei meu processo de AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA. Essa avaliação se consolidou nos últimos anos como minha verdadeira estratégia avaliativa, mantendo a avaliação tradicional por notas apenas por demanda do sistema e de seus agentes (estudantes, pais, professores e direção). Devo muito dessa construção aos ciclos de aprendizagem. Todo o tempo, com base em tudo que nos relaciona, há avaliação entre os envolvidos pelo processo de ensino-aprendizagem. Aos professores compete estruturar o conjunto de suas avaliações em ferramentas que permitam o desenvolvimento das alunas e alunos. A avaliação diagnóstica realizada por mim, ao invés de respeitar uma hierarquia simples e linear, procura estabelecer certos perfis que auxiliem na compreensão e transformação dos sujeitos. São 5 perfis, 2 dos quais tem subdivisões. As estudantes são classificadas em:
3+: Possuem potencial extraordinário a ser valorizado, pois já possuem todas as necessidades básicas para o pensamento crítico estruturadas;
3: Respondem sem dificuldades às demandas escolares;
2+: Apresentam poucas dificuldades cognitivas (leitura, escrita, coerência textual), de autonomia (realização de tarefas, presença, independência, participação), estruturação do raciocínio lógico, disciplinares (repetência, suspensões) ou na convivência social (amizades, coleguismo, empatia);
2: Apresentam dificuldades cognitivas (leitura, escrita, coerência textual), de autonomia (realização de tarefas, presença, independência, participação), estruturação do raciocínio lógico, disciplinares (repetência, suspensões) ou na convivência social (amizades, coleguismo, empatia);
2-: Apresentam sérias dificuldades cognitivas (leitura, escrita, coerência textual), de autonomia (realização de tarefas, presença, independência, participação), estruturação do raciocínio lógico, disciplinares (repetência, suspensões) ou na convivência social (amizades, coleguismo, empatia);
1: Não respondem de forma alguma às demandas escolares;
F: Não são presentes de maneira suficiente no ambiente escolar. 
Na verdades, todas as avaliações são só parte da avaliação diagnóstica, que se estende aos exercícios, conversas, convivência. A nota é uma representação limitada do diagnóstico e um componente burocrático que devia ser devolvido ao seu pequeno papel. Todas as notas apresentadas a alunas e alunos é mediada pelo prisma da avaliação diagnóstica, que está ininterruptamente sendo reconstruída. Acredito que sem a necessidade da afirmação numérica da nota todo o tempo por se tratar do projeto passará por outra forma de lidar com estratégias e demandas das alunas e alunos.
Em conjunto com o debate sobre documentos históricos, a relação entre a pesquisa e a narração sobre o passado, o trabalho bimestral dos estudantes é escrever a biografia de uma de suas avós ou avôs. Para tanto, eles devem realizar entrevistas de acordo com um roteiro previamente tratado em sala. Essas informações serão articuladas às minhas reflexões do doutorado sobre a história da cidade, servindo de fundamento para articular a própria experiência das estudantes e de suas famílias à história de Brasília, do DF e de seu entorno. 
Ao invés de uma periferia que era o centro do universo delas e deles, como eu trabalhava no Recanto, acredito que a imagem da teia ou da colcha representem melhor a proposta do meu trabalho esse ano.
Buscarei manter o diálogo de uma história pessoal, familiar e local com a discussão das percepções do tempo, os instrumentos culturais para marcar a passagem do tempo, os ciclos e as linearidades, o tempo histórico, tradição e ruptura. Atentando para a diversidade das culturas em seus entendimentos e expressões do tempo, entender o nosso tempo e o tempo do outro. Isso passa por uma aula bastante lúdica com vídeos da internet sobre o universo e as estrelas (incluindo trechos da nova versão da série Cosmos).
Outra questão importante é que as aluna e alunos passarão 10 horas por dia na escola. Tudo deve ser realizado no tempo em que estão na escola, pois já é uma rotina exaustiva na minha opinião. A produção dos trabalhos e das atividades, que antes eu fazia quase sempre no espaço da aula, agora terão de ser totalmente nas aulas. A exceção será o trabalho, que servirá ainda mais como momento de contato com a história e a memória familiar, como multiplicador de possibilidades para construção de subjetividades. 

No 2º BIMESTRE, haverá uma mudança mais significativa. Uma vez que a costura com a história de Brasília se dará mais cedo, pretendo incluir o passeio para quadra modelo, a 308 sul (também pela 108 sul, onde eu moro), que eu consegui realizar em 2018, mas não em 2019. Para além dessa história impessoal da capital federal, ou da centralidade de figuras como JK, pretendo articular a memória e a história de pessoas que viveram e trabalharam no e o CASEB ao longo desse 60 anos. Isso irá dialogar com as festividades marcadas para a semana do dia 16 de maio. Isso irá diminuir significativamente o tempo para o meu trabalho com os ancestrais do ser humano.

Irei manter a discussão, ainda que de forma acelerada, para o 6º ano. Centrarei o debate nas ideias de evolução, criação, origem, para que as alunas e alunos sejam instigados a pensar sobre as convergências e divergências, heranças e perdas do que entendemos por ser humano. A crítica e abandono da noção de "pré-história", esse período histórico é abordado como teatro do que vemos como fundamental em nossa sociedade: o trabalho, a propriedade, o artesanato, a agricultura, o comércio, a metalurgia, a escrita.

Trabalho com o filme A Guerra do Fogo para desconstruir e reconstruir as possibilidades do imaginário sobre esse período. Além disso, costumo trazer matérias de jornal sobre o chamados "ancestrais do homem moderno", bem como acrescento o material da minhas viagens à África do Sul em 2013 e 2016, região onde estão vários dos mais antigos fósseis humanos, em especial, o australopithecus sediba, descoberto em 2009. Viajar é preciso.
Para o 7º devo passar apenas a aula expositiva das minhas viagens para a África do Sul e o filme. Talvez o tempo economizado com avaliações permita me estender mais.

No 3º BIMESTRE, seguirei tratando de 4 civilizações antigas, mas não em concordância com a visão tradicional da evolução etapista da formação da sociedade ocidental. Eu trabalho com a Mesopotâmia, o Egito Antigo, a Índia Antiga e a China Antiga através de um mito de cada um desses povos. A ideia é construir nossa própria leitura desses povos, enquanto formas culturais diversas de desenvolvimento humano na margem de grandes rios como Tigres e Eufrates, Nilo, Indo e Amarelo. Não se trata de encontrar uma pretensa totalidade politico-econômica-sócio-cultural em lenta formação. Em 2018, combinei cópia e textos impressos de modo a ter espaço para exercícios de leitura, de interpretação dos textos, que envolvem a discussão dos conceitos de mito e história, mas também de encenações divertidas. Trabalho com o mito de Gilgamesh, o mito de Ísis e Osíris, o mito de Indra e o mito de Shun.
Além dos mitos, continuando a trabalhar com biografias de sujeitos interessantes, que tensionam e conjugam possibilidades para os sujeitos, estendemos a discussão para os sujeitos: biografados e estudantes. As biografias selecionadas são da sacerdotisa acádia Enheduana, do imperador babilônico Hamurabi, do escriba egípcio Khéti, de Buda e do imperador chinês Qin Shi-Huang. Também pensamos sobre a cidade em cada uma dessas civilizações. Isso objetiva pensar as próprias possibilidades da espacialidade das cidades, relacionando-as com o projeto de construção de Brasília e das cidades-satélites e do entorno.
Penso em usar as aulas a mais para incluir outros povos, especialmente no 7º ano (que já trará concepções prévias sobre a Mesopotâmia e o Egito principalmente) inclusive diversificando mais as possibilidades em que cada estudante busque uma civilização de seu interesse. Além do trabalho de criar seu próprio mito, ele estudar e conhecer uma ou mais civilizações que despertem seu interesse, pluralizando mais o olhar sobre as possibilidades das culturas humanas. 

Finalmente, no 4º BIMESTRE, seguirei o trabalho com mitos de civilizações, que dialogam com as reflexões sobre suas culturas, cidades e relações com o tempo. Através do mito da Guerra de Tróia (Ilíada de Homero), não só podemos construir uma leitura da civilização grega, como explorar a importância desse mito e da cultura grega para nosso tempo. Cada estudante fica responsável por uma personagem do mito, que será interpretada por ela ou ele durante o estudo do mito. O teatro (ou rpg) do mito é o grande evento do ano. Os estudantes ficam realmente alucinados, já me esperando com tudo pronto pra ação começar. Valorizam ao máximo seus papéis. 
Nos últimos dois anos, especialmente, o resultado tem sido incrível. É minha maior alegria no ano. Farei um teatro para o 6º e um para o 7º.
Além disso, ao fim das encenações, cabe a eles contarem o que aconteceu com o personagem depois da guerra (quem disse que a morte é um fim?), cada um tendo sua própria Odisseia.
Por fim, fechamos os trabalhos com a Eneida de Virgílio e a valorização da cultura e da espacialidade das cidades gregas no mundo romano. Acredito que poderei finalmente dar uma verdadeira atenção ao mundo romano, que acabava sendo escanteado pelo atropelo do fim de ano. Especialmente com o 7º ano poderei pensar as possibilidades da Idade Média ocidental (e outras Idades Médias), da própria utilidade de tal conceito (que inicia um pouco minha discussão sobre terra e propriedade, eixos temáticos com os quais me envolvi quando trabalhei com 8º ano).

Desejem-me sorte. E vamos à luta.