quinta-feira, 20 de junho de 2013

A Guerra do Fogo


Salve pessoas.. hoje comecei a passar o filme A Guerra do Fogo de Jean-Jacques Annaud. Pra começar, esse filme (na minha modesta opinião) é uma obra-prima, um dos 10 melhores de todos os tempos. Ele chega como a culminância da discussão da evolução do ser humano, dos ancestrais do homem moderno e da idade das cavernas (me recuso a chamar de pré-história, pois nada é antes da história). Para quem não conhece, o filme fala sobre as aventuras de três neandertais em busca de fogo após sua tribo ser atacada.
A sensibilidade do diretor e a expressividade dos atores é capaz de fazer os alunos refletirem sobre esse mundo alienígena que é o paleolítico. É o melhor recurso áudio-visual que já utilizei. Diversas cenas merecem destaque:
- A cena inicial em que o mais brutamonte do trio de "caçadores do fogo" aparece guardando a entrada da caverna ao lado de uma grande fogueira, enquanto a tribo dorme. O guardião pega uma lenha em chamas e atira contra um grupo de lobos que rondam a caverna. Os animais fogem espantados e ganindo, mostrando aí uma importante diferença dos hominídeos como dominadores do fogo. Isso possibilitou sobreviver a predadores e manter mais segurança.
- A cena após o ataque, quando reunidos e desolados, os sobreviventes da tribo vêem-se em um pântano frio e sombrio, ilhados do mundo. Lobos espreitam ao redor e estão feridos e assustados. Ao verem o portador do fogo surgir, suas esperanças se renovam, mas ao tentar alcançar os outros, o fogo se apaga. Um esforço coletivo é feito para salvar o fogo. Assistimos ao líder do trio de caçadores do fogo até o último sopro tentar, em vão, salvar uma última brasa. O fogo como a força vital daquele grupo.
- A cena em que o trio fica cercado por um par de dentes-de-sabre em uma árvore é interessante pelo lado cômico e da alimentação.
- A cena em que os três caçadores encontram os restos de uma fogueira é sublime. Tomados pelo estase, os neandertais rolam nas cinzas como que possuídos pela felicidade. O fogo está próximo. É como um deus da vida e da esperança para eles. Enquanto rolam, encontram restos de carne e passam a se alimentar. O horror os invade quando descobrem através de um crânio serem restos humanos. A ideia do canibalismo como um limite à ideia de humanidade salta aos olhos. Aquilo que parecia a salvação, agora pode ser a destruição.
- A cena em que o trio já reunido com a mulher homo sapiens sapiens acende a primeira fogueira também é maravilhosa. Vale aqui destacar a figura da mulher, que além de trazer os conflitos de gênero para a trama, representa o contraste entre sapiens sapiens e neandertais. Ela sabe produzir remédios para curar feridas, ela possui um idioma complexo, ela pinta o próprio corpo, todas coisas estranhas para os neandertais. Estes que até esse momento do filme eram os "mais evoluídos" são postos agora como "menos evoluídos". O ápice desse desenvolvimento se dá com a chegada deles à tribo dos homo sapiens sapiens. Voltando à cena da fogueira, a dança dos três ao redor do fogo é magnífica, expressando a grandiosidade daquele momento pelo qual esperaram e lutaram.
Quando desperta, o grupo percebe que está cercado pelos hominídeos de quem roubaram o fogo. O surgimento de uma manada de mamutes paralisa as ações. O líder dos neandertais decide tentar aproximar-se dos animais, mesmo com medo, pois percebe o medo maior dos inimigos. Oferecendo capim, ele consegue aproximar-se dos mamutes e passar por eles sem problemas. Seus amigos fazem o mesmo, mas quando os numerosos inimigos avançam, os mamutes investem em carga temendo um ataque. Não só a inteligência vence a força, mas a domesticação dos animais surge como uma questão a ser tratada.
- A cena mais impactante e importante do filme é a cena em que a mulher sapiens sapiens faz o fogo diante do líder dos neandertais. Essa cena é de uma perfeição capaz de capturar o imaginário dos estudantes de 10 a 11 anos. Cada passo meticuloso do processo vai sendo acompanhado pela aflição do neandertal, que só entende a razão daquilo quando o movimento das madeiras gera a brasa. Era como se aquela mulher fosse capaz de criar o deus que ele só encontrava na natureza. Ele nunca havia visto o fogo ser feito do nada. 
Esse momento se repete quando eles retornam à tribo e mostram o processo de fazer fogo aos outros neandertais.
- Outra questão sensacional é a do riso. Numa cena inicial, quando a mulher se integra ao grupo. Uma pedra cai sobre a cabeça de um deles, o que arranca dela imensas gargalhadas, enquanto os três ficam perplexos sem entender. Mais à frente, quando eles deixam para trás a tribo dos sapiens sapiens, o mais forte (que não é o líder) deles deixa cair uma pedra sobre a cabeça do companheiro mais fraco. Ainda que isso rache a cabeça do coitado, todos se esborracham de rir. A expressão da alegria e mais uma vez a dimensão da aprendizagem como parte das experiências humanas. 
- Uma das questões mais bem trabalhadas do filme e mais delicadas é a da sexualidade. Quando a mulher entra para o grupo, o mais forte tenta tomá-la, mas ela busca refúgio no líder, que para "salvá-la" do companheiro, tem que ele violentá-la, fazendo dela sua companheira. As cenas de sexo são fortes e eu prefiro saltá-las nas turmas de 6o ano, pois acaba eclipsando o restante. Várias discussões surgem da relação entre os dois: a fuga dela, o modo como ela o ensina a fazer amor ao invés do sexo animalesco, a preferência dela por seguir com ele, quando os companheiros vem resgatá-lo da tribo de sapiens sapiens.
É belíssima a cena (que termina com a do riso) em que ela está pintando o próprio corpo com carvão e ele a ajuda se pintar, como se mostrasse que ele não teria de deixar sua cultura, sua identidade para seguir com ele.
- A cena final em que o casal neandertal e sapiens sapiens observam a lua, enquanto ele acaricia a barriga dela, que está grávida, mostra outra questão ensejada no filme. Apesar de ser de 1981, ao contrário das teorias mais fortes da época, o diretor apresenta a ideia de cruzamento entre neandertais e sapiens sapiens. Nos dias de hoje, os estudos usando a genética dão conta que parte do dna do homem moderno vem dos neandertais. Evoluir nem sempre é competir.
Espero que isso possa ajudar os interessados em passar o filme. Ele é muito comentado, ilustra muito livro didático por aí, mas poucos trazem-no para o espaço de experiência dos educando. Mais do que aprender a linha evolutiva do homem, podemos imaginar as possibilidades do ser humano.


Um comentário:

Roni disse...

Prezado Salve Jorge,

Quero parabenizá-lo pela análise feita do filme. Trabalho com ele há anos e tenho total idolatria pelo mesmo! Sou professor de Ciências.
Muito pertinentes suas observações.
Gostaria, porém, de discordar de sua postura sobre as cenas de sexo.
Na verdade, é uma excelente oportunidade para dismitificarmos o sexo, tão reprimido pela força da religião. É oportunidade para se enxergar que somos animais. Planta faz sexo. Sentir fome, sentir frio, sentir vontade de fazer sexo são características animais, naturais.
Grato pela atenção e mais uma vez expresso minha admiração ao seu texto.
Abraços
Roni