quarta-feira, 24 de junho de 2015

Hoje morreu o Daniel.

O Daniel era meu aluno. Morreu hoje. Tomou 5 tiros no campinho sintético perto da escola, o CEF 308 do Recanto das Emas. Não é meu primeiro aluno a ser assassinado, tomar tiros lá na periferia da existência. Teve o Anderson Bambam em 2011.. teve o Jardel em 2013... mas Danielzin, como era chamado pelos colegas, estudou comigo no 6o ano em 2010.  Era da 5a série C. Levei a turma dele ao meu primeiro passeio ao museu do STJ. Ele era um garoto alegre e gente boa. Vivia em pé na porta, tinha aquele ar de moleque safado que resolve as coisas com um sorriso. Os estudos iam na flauta desde então, mas havia astúcia para seguir no sistema no mínimo necessário.
Depois nunca mais dei aula pra ele. Reprovou duas vezes nesses anos.. a 7a e a 8a (ele é da última leva que ainda é denominada 8a série). Mas ele, assim como vários estudantes desse geração me marcaram muito. FOi meu primeiro ano na escola, meu primeiro ano me reconstruindo através de minhas práticas educativas. Aprendi muito com eles. Foi nesse ano que aprendi a ser professor. Aprendi muito com a Sarah. com o Yuri, com o José Gabriel, com o Romário, com o Lucas, com Ygor, com o Fernando, com a Natália, com a Luana, a Juliana, Miriane.. não cabem todos aqui. Me lembro deles. De cada um. Até dos difíceis. Lucas José, Joseph, Júlio César, Leonardo.. até do Lucas Félix, A gente não pode ser nada além do que pratica.
Alguns anos atrás, eu fui retirá-lo da sala porque ele desrespeitou a professora de ciências. Em 2013, ele era de uma das turmas de 7a série que eu não dava aula.
No mesmo ano, tive uma discussão com a Marcela, professora de artes. Eu suspendi o Daniel, porque ele tava jogando bolinha no corredor. Ela veio me dizer depois que era uma aula de malabares. Não que ele estivesse fazendo os malabares, mas ele estava numa outra dinâmica.
Esse ano quebrei o pau com o Daniel num dia de palestra. Fui repreendê-lo por desrespeitar um colega. Ele fez pouco caso. Eu fui ríspido com ele. Ele apelou. Eu agarrei ele e o carreguei pra sala do apoio. Lá soltamos os cachorros um com o outro. O Júnior, professor de matemática entrou e interviu. Ele ficou acoado, mas aos poucos foi aceitando o diálogo. Lembrei a ele que lembrava muito bem quem ele era. Ele pediu desculpa, mas eu falei que não era pra mim que ele devia desculpas.
As notícias que me chegavam era de que tava "no mundo das drogas", como se diz dos adolescentes negros que vão preenchendo as estatísticas. Mas ele tava sempre na escola. Ou quase sempre pelo menos.
Não era um santo. Mas eu não acredito que santos existem.
Hoje, na correria entre as aulas na sala de vídeo pra passar A Guerra dos Fogo ou o power point da minha viagem pra África / Ancestrais do ser humano, vi ele sentado na cantina lanchando fora de hora, no meio do 2o ou do 3o horário. Pensei em ir lá, mas deixei pra lá.
Lá pelas 16h a supervisora Laura me avisou. Logo depois o diretor Márcio.
Conversando com alguns professores, resolvemos conversar com os estudantes. A conselheira de turma, disse que vão fazer uma homenagem.
Da morte, só sei do que houve... e do lamento, só não sei de tudo que poderia ter sido...

2 comentários:

Ju disse...

São tantas histórias que nunca serão conhecidas ou serão pouco lembradas. Ser negro e pobre já é nascer condenado nesse país. São tantos jovens, com tantas estrelas no peito, tantos talentos, que nunca serão despertados. São massacrados pela injustiça e falta de oportunidade... crianças, como todas, lindas, cheias de vida. Essa é mais uma história que entristece e revolta, que me faz sentir impotente, que também me mata. Dói no peito e me maltrata. E esse grito que rasga a garganta parece que é uma voz que nunca será escutada.Espero que Daniel tenha a paz agora...

Carol disse...

Já passei por algo assim. É triste essa sensação de sentir de ir mas nao ir. Em mim, a culpa eternizou... quando ocorrem situações similares me dói lembrar, mas faço o que sinto na hora, pra não ter que pensar no que poderia ter sido, ainda que, talvez, não seria mesmo... :/