sexta-feira, 12 de março de 2021

Plano de aula para o 7o ano (2021): modernidade e nações, diversidade e conflitos


 Salve salve pessoas, esse é meu primeiro planejamento de aulas para o 7o ano. Ainda que aos trancos e barrancos com a questão da pandemia no ano anterior, pude experimentar conceitos, conteúdos e estratégias de ensino-aprendizagem capazes de fundamentar minhas atuais escolhas. Lembro que o planejamento longe de um engessamento, representa uma orientação, não só sujeita a mudanças, como portadora de uma plasticidade capaz de agregar possibilidades que se mostrem frutíferas e integradas à nova realidade que me disponho a explorar. Iniciei o ano passado no CASEB, um mês depois fui transferido para o CEF 7 na Asa Norte e agora estou chegando ao CEF 2 na 107 sul. Não só a escola fica ao lado da minha casa, como vários tios meus estudaram nessa escola na infância deles (minha família paterna se mudou em 1960 para a 107 sul vinda do Rio de Janeiro). Isso é uma informação importante para esse planejamento que apresento aqui.

Obviamente, as coisas ainda mais impactantes são a pandemia e o ensino remoto. Ano passado, no incrível e organizado ambiente do CEF 7, escola a qual devo eternos agradecimentos por me receber, pude consolidar meu canal no youtube (youtube.com/channel/UCJDVa1R8eWi5z3d8geYH-qw). O ano de 2020 foi pautado pela busca de interação por novas plataformas, principalmente, o google sala de aula, mas também o material impresso e uso do WhatsApp. Sendo assim, embora minha análise me diga que todo o ano possa ser feito no formato remoto, prefiro ainda deixar a opção aberta para o segundo semestre. Claro que tudo sempre está aberto a adaptações e também estou consciente que as novas plataformas não serão mais postas de lado, mesmo com a volta total do ensino presencial.
O CEF 2 de Brasília é uma escola que faz parte do projeto de ensino integral para todos os alunos. Está nesse modelo desde 2011, tendo sido acomodada ao projeto implementado pela atual secretaria de educação no atual governo (e que estava começando no CASEB ano passado com muito improviso). Dessa forma, a escola possui apenas 7 turmas, 4 de 6o ano e 3 de 7o, cujos estudantes, normalmente, ficariam na escola de 7:15h até as 17:15. Sendo assim, sou o único professor de história da escola e trabalharei com todas as alunas e alunos. Ano passado, eu tive a oportunidade de trabalhar com duas turmas de 7o ano, muito diferentes entre si, percebendo incríveis possibilidades para as abordagens que aqui proponho.
Inicialmente, já que estas estudantes não estudaram comigo no 6o ano, pretendo realizar um debate conceitual sobre tempo e história. Com isso, potencializar seus entendimentos e interpretações dos conceitos históricos e como sujeitos históricos. Trataremos assim da história da cidade, uma abordagem da história local, que também passa por construir um protagonismo da história da escola como fio condutor entre individual, local e outro níveis sociais.


Para o 7º ano, portanto, os eixos temáticos serão: modernidade e nações, diversidade e conflitos. Ainda que reverbere aqui o tema da cidade a partir da experiência do doutorado, que tornou-se fundamental para a estruturação das aulas do 6o ano, ele não é o foco. Obviamente, o conhecimento construído nos 10 anos em que atuei como professor no Recanto das Emas dialogam ininterruptamente com meus objetivos, ao mesmo tempo que busco ir além deles para alcançar discussões capazes de interpelar moradoras e moradores de espaços afastados entre si, ainda que tão próximos em muitos sentidos. A leitura do PPP do CEF 2 do ano passado, indica que as principais cidades são "Paranoá, Itapoã, Riacho Fundo, Samambaia, Recanto das Emas, Ceilândia e cidades do entorno de Brasília". As respostas ao meu primeiro formulário de autobiografia indicam algo próximo disso.
Aqui também haverão incontáveis reflexões oriundas de minha participação na equipe do Outras Brasílias, um projeto propositivo sobre a importância de multiplicar as possibilidades de dar a ver e a ler as Brasília em e para além de Brasília. Coordenados pela professora Cristiane Portela, esse projeto de extensão não só potencializou a formação de muitos professoras e professores de história (e de outras disciplina) da rede pública do DF, como produziu materiais densos e significativos para repensar as histórias de outras Brasílias.
Para o 7o ano, no entanto, este debate fundamental para a auto-reflexão dos sujeitos do processo de ensino-aprendizagem irá orientá-los para a análise do conceito de modernidade e da construção do mundo global atual e seu concerto de nações, em especial, o Brasil. Modernidade e nação são concepções a ser desconstruídas, muito mais que sedimentadas com a intenção de perceber e valorizar a diversidade que costumam silenciar.

Valorizo as concepções espontâneas das alunas e alunos para potencializar o início da formação de seus conceitos científicos e de sua subjetividade. Rompo com o conteudismo que, em detrimento do desenvolvimento teórico e crítico das educandas e educandos, tantas vezes é reafirmado por práticas docentes e livros didáticos. Sem apartar conceitos e conteúdo, meu objetivo é sempre analisar os discursos, instrumentalizar os sujeitos e valorizar sua autonomia. Assim acredito colaborar de alguma forma para que sejam cidadãos críticos e participativos. 
Os conceitos devem ser operacionalizados no trato com os conteúdos na minha opinião. Você pode discutir a história como discurso, como prática, como operação, como lente, como sentido ou qualquer outro regime que lhe interessar. Pensar o que é a história, o que é tempo deve ser encarado como pensar o que é contar uma história, fazer uma história, manipular uma história, dissecar uma história, acreditar em quantas histórias se queira. O cenário de aulas remotas ou por materiais impressos dificulta valorizar a dimensão do diálogo, mas em alguns casos permite potencializar e incluir uma multiplicidade maior de olhares.
Não se costuma ensinar a pensar historicamente... se ensina uma certa história. Um desdobramento disso é a ilusão de não se estar afirmando um modelo de história nesses conteúdos ensinados, como se o conteúdo tivesse um valor intrínseco, essencial e inescapável. Enquanto isso, esse modelo é afirmado e reafirmado por esse silêncio teórico-metodológico. Em tempos de vigilância intolerante, como da Escola "Sem Partido" e da militarização, me parece mais importante ainda reafirmar o caráter inescapavelmente ideológico de toda e qualquer prática de ensino-aprendizagem. Ao mesmo tempo, é fundamental instrumentalizar educandas e educandos, bem como dialogar com suas táticas e estratégias de estar no mundo. Mais uma vez, as dificuldades extras das demandas remotas do ensino durante a pandemia, que reforçam as já gritantes desigualdades sociais do nosso país, devem ser inclusive o próprio tema para apresentar o debate das histórias possíveis.

Dada essa importância de dialogar sobre os fundamentos teóricos e metodológicos da história com as educandas e educandos, valorizar o espaço de suas experiências na construção de possíveis entendimentos da historiografia, o 1º BIMESTRE será todo concentrado na discussão de O QUE PODEM SER AS HISTÓRIAS.
A discussão tem início com os conceitos que estudantes tem de história. Elas e eles são convidados a contarem histórias. Só então apresento o conceito de alguns dicionários sobre o que é história e, finalmente, o meu próprio entendimento. Esse debate integra-se às noções de biografia e autobiografias, onde as educandas e educandos são instigados a pensarem suas próprias histórias de vida e de outras pessoas, não como simples coerências lineares, mas como possibilidades de se (re)pensar enquanto sujeitos. Mesmo que os estudantes cheguem depois, faltem as aulas, esse primeiro passo precisa ser dado. Esse início ganha densidade de informações com os formulários ou mesmo as atividades impressas, ainda que tudo fique menos intenso na convivência a ser construída.
Manterei meu processo de AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA. Essa avaliação se consolidou nos últimos anos como minha verdadeira estratégia avaliativa, mantendo a avaliação tradicional por notas apenas por demanda do sistema e de seus agentes (estudantes, pais, professores e direção). Devo muito dessa construção aos ciclos de aprendizagem. Todo o tempo, com base em tudo que nos relaciona, há avaliação entre os envolvidos pelo processo de ensino-aprendizagem. Aos professores compete estruturar o conjunto de suas avaliações em ferramentas que permitam o desenvolvimento das alunas e alunos. A avaliação diagnóstica realizada por mim, ao invés de respeitar uma hierarquia simples e linear, procura estabelecer certos perfis que auxiliem na compreensão e transformação dos sujeitos. São 5 perfis, 2 dos quais tem subdivisões. As estudantes são classificadas em:
3+: Possuem potencial extraordinário a ser valorizado, pois já possuem todas as necessidades básicas para o pensamento crítico estruturadas;
3: Respondem sem dificuldades às demandas escolares;
2+: Apresentam poucas dificuldades cognitivas (leitura, escrita, coerência textual), de autonomia (realização de tarefas, presença, independência, participação), estruturação do raciocínio lógico, disciplinares (repetência, suspensões) ou na convivência social (amizades, coleguismo, empatia);
2: Apresentam dificuldades cognitivas (leitura, escrita, coerência textual), de autonomia (realização de tarefas, presença, independência, participação), estruturação do raciocínio lógico, disciplinares (repetência, suspensões) ou na convivência social (amizades, coleguismo, empatia);
2-: Apresentam sérias dificuldades cognitivas (leitura, escrita, coerência textual), de autonomia (realização de tarefas, presença, independência, participação), estruturação do raciocínio lógico, disciplinares (repetência, suspensões) ou na convivência social (amizades, coleguismo, empatia);
1: Não respondem de forma alguma às demandas escolares;
F: Não são presentes de maneira suficiente no ambiente escolar. 
Na verdades, todas as avaliações são só partes da avaliação diagnóstica, que se estende aos exercícios, conversas, convivência. A nota é uma representação limitada do diagnóstico e um componente burocrático que devia ser devolvido ao seu pequeno papel. Toda nota apresentada a alunas e alunos é mediada pelo prisma da avaliação diagnóstica, que está ininterruptamente sendo reconstruída. 
Nesse sentido, o ensino pela plataforma google sala de aula tem o mérito de permitir um acompanhamento individualizado de muita qualidade (quando a aluna ou aluno tem acesso sem limitações à plataforma, o que infelizmente está longe de ser a regra). Por outro lado, o ensino por atividades impressas não atende as necessidades de nenhuma das partes do processo de ensino-aprendizagem. No estilo "me engana que eu gosto", busca-se praticamente fazer das educandas e educandos autodidatas, que não recebem orientações adequadas para abordar o conhecimento, nem contam com intervenções e correções de suas iniciativas.
Em conjunto com o debate sobre documentos históricos, a relação entre a pesquisa e a narração sobre o passado, o trabalho bimestral dos estudantes é escrever a biografia de uma de suas avós ou avôs. Para tanto, eles devem realizar entrevistas de acordo com um roteiro previamente tratado em sala. No formato remoto, eu antecipo a orientação sobre o trabalho logo para o segundo encontro. Como já mencionei, as informações serão articuladas às minhas reflexões do doutorado sobre a história da cidade, servindo de fundamento para articular a própria experiência das estudantes e de suas famílias à história de Brasília, do DF e de seu entorno. 
Ao invés de uma periferia que era o centro do universo delas e deles, como eu trabalhava no Recanto, ganha mais visibilidade a imagem da teia ou da colcha para representar essas histórias locais. Mais uma vez é difícil transpor a riqueza dessa experiência para as atividades impressas.
Com o intuito de criar uma costura comum à pluralidade da experiências, a minha intenção é estudar e pesquisar a história do CEF 2. Como mencionei, 8 dos meus 11 tios estudaram lá. Além da minha ligação familiar e o vínculo de trabalho, penso que é importante adensar a passagem fulgás de apenas 2 anos das estudantes pelo centro de ensino. Entendo que o ideal seria ter pelo menos todos os anos finais na mesma escola.
Buscarei manter o diálogo de uma história pessoal, familiar e local com a discussão das percepções do tempo, os instrumentos culturais para marcar a passagem do tempo, os ciclos e as linearidades, o tempo histórico, tradição e ruptura. Atentando para a diversidade das culturas em seus entendimentos e expressões do tempo, entender o nosso tempo e o tempo do outro. Isso passa por uma aula bastante lúdica com vídeos da internet sobre o universo e as estrelas (incluindo trechos da nova versão da série Cosmos).


No 2º BIMESTRE, centrado nos conceitos de modernidade e nação, debateremos o processo de reordenamento dos povos globalmente, suas interações e conflitos. O contraponto entre os mundos antigos e um mundo moderno, não só permitem refletir sobre a chamada Idade Média europeia, como perceber as invasões marítimas europeias como um processo de conflitos e tensões e não como a celebrativa gênese de uma pretensa civilização ocidental. 


Valorizando diferentes culturas e povos, ampliando os olhares sobre a invenção da prensa móvel, sobre as reformas religiosas e as grandes navegações, permitir a análise da formação dos Estados Nacionais Modernos europeus e suas consequências globais. Isso passa pela leitura do livro A Utopia de Thomas More (livro que já trabalhei com o 8o ano, sempre com excelentes resultados). Também faço uso de material de minhas duas viagens à África do Sul e ao Cabo da Boa Esperança.
O trabalho bimestral problematiza as noções relacionadas a nação em suas formas modernas, antigas e contemporâneas. A tentativa de um trabalho em grupo no ano passado não foi bem sucedida, mas pretendo investir nela, mas com maior mediação de minha parte para orientar melhor a produção dos textos.
Mais uma vez, apenas um vislumbre pálido disso chega às atividades impressas, O uso do livro didático, infelizmente, pouco contribui para melhorar o cenário, pois o etapismo tradicional pouco valoriza as possibilidades de estudo do período.

No 3º BIMESTRE, a diversidade e os conflitos marcam um olhar que se orienta para as terras do que virá a ser o Brasil. Perceber e valorizar essa diversidade, assim como atentar para a violência e a desigualdade do processo de expansão europeia e capitalista pelo mundo a partir das experiências nacionais são a melhor síntese que posso fazer do que proponho. 
Iremos trabalhar com o magnífico Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto, com narrativas de referências intelectuais negras e indígenas como Aílton Krenak e Djamila Ribeiro. Além de explorar as possibilidades de materiais oriundos de minhas orientações durantes as Olimpíadas Nacionais em História do Brasil (ONHB). Longe de pretender informar sobre a desigualdade, o objetivo aqui é expor feridas e mobilizar a crítica, a autonomia e a mobilização participativa capaz de construir uma sociedade mais igualitária e justa.

Finalmente, no 4º BIMESTRE, iremos explorar os caminhos da colonização que guiam as pessoas até o Planalto Central. Perceber a historicidade dessa região, os impactos da mineração antes e agora, a violência imperialista e capitalista que suga tudo que pode. Refletir sobre os impactos na América espanhola, na África e na Ásia dessas violências e desigualdades, mas buscar e analisar as resistências, as estratégias, as táticas humanas que sempre tencionam esse processo. Dar a ver e a ler a pluralidade que sobrevive a essa homogeneidade que busca se impor, os diálogos possíveis entre os conflitos que se avolumam e intensificam com a modernidade. A aceleração do tempo e o mundo que virá entre esses mundos que se vão.
Nesse sentido, o trabalho nesse bimestre envolve um debruçar-se e explorar as chamadas Revoltas Coloniais ou outros movimentos de resistência ao colonialismo e ao imperialismo. A culminância deste com uma apresentação em formato de seminário, incentivando o posicionamento e a explanação sobre os temas, além do debate. Isso será muito melhor se já tivermos retornado ao ensino presencial com toda certeza.

Que venham dias melhores para todas e todos. Grande abraço.

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